Nunca se terá acomodado ao deixar correr a vida, como águas calmas em estiagem no rio Lima fronteiro à sua além da ponte(1) natal.
Os traços, as tintas, os pincéis e os lápis, foram o seu perfil, em constante volúpia de tom e de forma, muitas vezes confundindo o significado de risco.
Nascido a 27 de Janeiro de 1879, completaram-se 50 anos da sua morte em 27 de Julho(2), mas as suas caricaturas, o seu humorismo, ainda servem para ilustrar obras actuais, comprovando o valor da sua intervenção artística e o rigor crítico ou evocativo das suas produções.
Começou cedo a desenhar e a agitar. “Devia ter feito caricaturas de alguns professores e por razão disso mudou várias vezes de escola”(3). Na Industrial, de Viana do Castelo, terminou os seus estudos. Depois, a família rumou à capital e, em 1895, partiu para o Brasil. Antes, em Lisboa, tinha perdido um emprego, “por causa de uma caricatura…fui inesperadamente posto na rua”(4).
É no Brasil onde se divulga publicamente a sua qualidade. De Lisboa, a revista Brasil-Portugal(5), no n.º 26 de 16 de Fevereiro de 1900, talvez na sequência da visita aquele país do seu director Lorjó Tavares, revela-o: “Alfredo Candido – tal é o nome do moço intelligente e modesto que o Brasil-Portugal conta no número dos seus collaboradores artisticos. O trabalho desta pagina(6) ahi fica a attestar o que são as suas aptidões e o que vale o seu lápis fácil e firme (…) é portuguez e reside no Rio de Janeiro, onde a sua individualidade principia agora a salientar-se e a impor-se”.
Profícuo, coopera em simultâneo em diversos jornais e revistas, alguns dos quais edita (entre outros, Theatro, A Larva (7), que no seu primeiro número, em 18 de Setembro de 1903, publica a famosa caricatura de Rui Barbosa alojando, na sua cabeça toda a Biblioteca Nacional do Brasil). Principia pelo Portugal Moderno(8), mas estende o trabalho a “quase todas as publicações do Rio e de S. Paulo, desde a Cidade do Rio, de José do Patrocínio, até às capas da primeira fase do Malho”. “D’uma vez” – revela na auto-biografia da 2.ª Exposição dos Humoristas Portugueses, realizada em Lisboa em 1913 – “foram suspensos três jornais e eu estive quase a ser definitivamente suspenso”.
Talvez por isso, em 1905 resolveu regressar a Portugal, instalando-se em Lisboa. O Malho(9) destaca a sua despedida e, pouco depois, a Brasil-Portugal(10) apresenta a sua chegada “do Rio á Terra de Camões”. Por cá continuou produtivo e estendeu a sua colaboração a diversos campos, do semanário humorístico O Vira, de vida efémera, passando pela A Garra, à 3.ª série de A Paródia, editada já após a morte de Rafael Bordalo Pinheiro e dirigida pelo filho deste, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro. São célebres os 20 postais que desenhou, em 1906, para A Editora, como a sequência que, no ano seguinte, a mesma casa dá à estampa, dos deputados republicanos. É também em 1907 que enobrece a capa do Almanaque Illustrado do Jornal O Commercio do Lima, de Ponte de Lima.
Após a implantação da República não esmorece a sua criativa verve. Logo em 1910 debuxa, para a Empresa de Publicações Populares, uma nova série de postais interventivos e laudatórios do novo regime. E, em seguida, o seu lápis continuou a iluminar, com sagacidade, muitos aspectos do quotidiano político e social. Para além dos postais, a sua presença estende-se a diversos jornais e revistas como, por exemplo, A Sátira, O Zé, A Batalha, O Espectro, Os Sportsinhos, Sempre Fixe, Tic-Tac e Acção. Segundo os Anais Municipais de Ponte de Lima, trabalhos seus foram reproduzidos em La Esfera, de Madrid, e La Grand Guerre, de Paris.
A sua interferência não se ficou pela caricatura. Foi também pintor (tendo participado em várias exposições individuais e colectivas, em Portugal e no Brasil(11), e obtido prémios), publicista, polemista, decorador e ilustrador. Foram muitos os livros, de diversos autores, que contaram com a colaboração de Alfredo Cândido.
Pelo menos, dirigiu, em 1913, O Matias; em 1927, com Luiz Ferreira, A Semana Ilustrada; de 1928 a 1929, foi director e editor de Turismo – revista de propaganda de Portugal, redigida em português, espanhol, francês e inglês; entre 1929 e 1931, chefiou o Album de Portugal; orientou, com José Duarte Costa, a Alma Nacional que, com interrupções, subsistiu de Abril de 1934 a Dezembro de 1954.
Em 1930 publica Os Candidos aos Barbosas de Portugal (a propósito de Angola e Metropole). Também nos anos 30 colabora, com textos, na Feira da Ladra.
Em 1932, está nos primórdios do Sindicato da Imprensa Portuguesa. Em 1933 é referenciado como tesoureiro desta associação de classe e, sem sabermos os contornos e a duração, é demitido desse sindicato, reclamando da mesma junto ao Ministério do Interior(12). Fez parte do Grupo dos Amigos-Defensores do Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Foi dirigente da Casa do Minho, da Sociedade Nacional de Belas Artes, da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto.
Teve, este notável limiano, a existência preenchida(13), uma vida de tanta cor, tanto risco.
[D. Carlos, 1906] |
(1) Na freguesia de Arcozelo, no concelho de Ponte de Lima.
(2) Faleceu em Lisboa, nesse dia, no ano de 1960.
(3) Dantas, Luís, Alfredo Cândido: Um Grande Caricaturista Português, http://opataco.blogs.sapo.pt
(4 )Idem
(5) Lisboa, 1899-1914. Dirigido por Augusto Castilho, Jayme Victor e Lorjó Tavares. Após a morte de Augusto Castilho, em 1912, João de Vasconcelos preencheu o seu lugar.
(6) Ver ilustração, “Correspondencia do Outro Mundo”.
[capa, de A. Cândido] |
(7) A Larva, 17 números, entre Setembro de 1903 e Janeiro de 1904. Nesta publicação, Alfredo Cândido usa, também, o pseudónimo de Jacques Dubois.
(8) Rio de Janeiro, 1900-1913.
(10) N.º 157 de 1 de Agosto de 1905. Nesta revista tem importante colaboração. Entre 16 de Julho de 1906 e 16 de Junho de 1907, assina 20 capas.
(11) No Brasil, por exemplo, em 1923 participou com o seu irmão José em exposições, de aguarela e caricaturas, na Associação de Empregados do Comércio, no Rio de Janeiro, e na Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria, em São Paulo.
Caricaturado por F. Valença |
[capa] |
(13) Conforme, imprensa da época; Anais Municipais de Ponte-de-Lima, Miguel Roque dos Reis Lemos, Viana do Castelo, 1938; Quem é Alguém, Portugália Editora, Lisboa, 1947; Os Postais da Primeira República; António Ventura; Tnta-da-China, Lisboa, 2010; As Caricaturas da Primeira República, Osvaldo Macedo de Sousa, Tinta-da-China, Lisboa, 2010.
[Texto publicado na Limiana, Revista de Informação, Cultura e Turismo, Ano IV, N.º 19, Outubro de 2010]
[Texto publicado na Limiana, Revista de Informação, Cultura e Turismo, Ano IV, N.º 19, Outubro de 2010]
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