“Tinham-ma anunciado com pormenores exactos para fins de Outubro. Em todo o
caso podes calcular a impressão que senti. Muitas vezes nas nossas conversas
constatávamos, como filósofos, que Portugal era uma monarquia sem monárquicos.
Os factos confirmaram essa observação, e mostraram ainda que essa monarquia
também não tinha monarca.
O entusiasmo que vai por aí não pode ser filho senão de uma grande fé. Deus queira que os homens do novo regime saibam aproveitar-se dessa circunstância para levantar o país da miséria em que o lançaram o egoísmo mais abjecto – a mais estúpida e escandalosa ambição.”
O entusiasmo que vai por aí não pode ser filho senão de uma grande fé. Deus queira que os homens do novo regime saibam aproveitar-se dessa circunstância para levantar o país da miséria em que o lançaram o egoísmo mais abjecto – a mais estúpida e escandalosa ambição.”
António Feijó (Cartas a Luís de Magalhães)
[1.ª publicação - 2010.10.05]
Nesse dia, uma sexta-feira, é proclamada, nos Paços do Concelho de Ponte de
Lima, a República.
Impaciente, querendo assumir rapidamente a gestão, a Comissão Municipal
Republicana, convida a população a comparecer nos Paços do Concelho, pelas duas
horas da tarde.
Faz redigir, pela mão de um dos seus membros presentes, Francisco Pereira
Campos, uma acta, que, segundo o jornal O Commercio do
Lima, n.º 211 de 8 de Outubro de 1910, tinha o seguinte teor:
"Aos sete dias do mês de Outubro, e segundo da proclamação da
República Portuguesa compareceram nos Paços do Concelho a Comissão Municipal
Republicana representada pelos seus membros, os cidadãos António José Barbosa
Perre, Francisco Pereira Campos, Bento António Gonçalves Pereira e Albino de
Matos e grande massa de cidadãos. Como não estivesse presente nenhum dos
membros da vereação, resolveu-se hastear a bandeira vermelha e verde, com o
dístico Pátria e Liberdade e marcar para o dia seguinte a entrega e simbolizar
este acto a proclamação do novo regime.
Ponte do Lima e Paços do Concelho Municipal, aos sete dias do mês de
Outubro de 1910."
Falaram, de seguida, Artur Cunha, António José Barbosa Perre, decano dos
republicanos locais e secretário da respectiva comissão municipal (o seu
presidente, Manuel José d'Oliveira, não se encontrava em Ponte de Lima, nessa
altura), os sargentos da armada, José Mendes Pinto e Joaquim José Vicente que,
na companhia do seu colega Guilherme Moreira, representavam a guarnição da
canhoneira Limpopo, ao serviço em Viana do Castelo, e que afirmaram que o seu
ideal político, embora dentro da República, ia um pouco mais além, "um ideal
muito mais alto de justiça e liberdade", e Álvaro d'Almeida, em saudação
ao novo regime.
Foi assinada, logo após, a Acta da Proclamação, primeiro pelos membros da
Comissão Republicana Municipal, depois pelo Juiz da Comarca e por grande número
das pessoas presentes.
Ao som do "novo hino nacional", A Portuguesa, executado pela
"banda dos nossos artistas", foi hasteada a bandeira republicana,
cerimónia acompanhada por uma salva de tiros.
Seguiu-se um cortejo, também ao som de A Portuguesa, e com lançamento de
foguetes e entre vivas à República e à Pátria, que percorreu as ruas Boaventura
José Vieira, D. Pedro, António Feijó, João Rodrigues de Morais, largo do Dr.
Magalhães, rua do Souto, largo da Matriz, rua da Abadia, largo de Camões, rua
do Rosário, largo de S. João, rua Vasco da Gama e bairro de Além da Ponte.
À noite, no Hotel do Passeio, realizou-se um banquete, em que discursaram
Rodrigo d'Abreu, Cândido da Cruz, Francisco Pereira Campos, Guilherme Mata e
Teófilo Carneiro, "um novo cheio de talento e com ideias modernas",
entre vivas à República Portuguesa, à liberdade, e entoações de A Portuguesa, e
sendo lembrado, amiúde, "o 2.º Tenente da Armada e nosso conterrâneo* Tito de Morais", pelo importante
papel desempenhado, ao comando do cruzador S. Rafael, com significativa
participação para o bom êxito da revolução, como o bombardeamento do Rossio, a
4 de Outubro, com dois tiros de artilharia, que puseram em fuga as tropas monárquicas
ali estacionadas e impediram, em conjunto com os outros navios da armada
revoltosos, o prosseguimento dos ataques à Rotunda.
Ao banquete assistiram:
Álvaro d'Almeida, Albino de Matos, Amaro d'Oliveira, Américo Maciel Pais
Carneiro, Anselmo Armando Reis de Sequeiros, António José Barbosa Perre,
António José d'Oliveira, António Antunes Ferraz, António Pereira d'Araújo,
Artur da Cunha Araújo, Avelino Pereira Guimarães, Bento António Gonçalves
Pereira, Claudino José de Lima, Francisco Pereira Campos, Francisco Augusto
Dantas, Francisco Vasques Martins, Francisco José Dantas, Francisco d'Abreu de
Lima, Francisco de Melo da Gama e Vasconcelos, Guilherme da Mata, Henrique de
Passos Sousa, João Manuel da Silva, João Augusto Dantas Júnior, João Manuel da
Silva Braga, João Rodrigues Guerra, José Cândido Pinto da Cruz e Costa, José
Martins d'Albuquerque, José Mendes da Costa Júnior, José Alves de Sousa Júnior,
José de Sousa Vieira, José Joaquim Gonçalves Pereira, José Pereira Marinho,
José Bento de Lima Fernandes, Júlio José de Brito, Luís José Dantas, Luís
Moreira Magalhães, Luís Antunes Ferraz, Manuel de Sousa Amorim, Manuel Teixeira
Júnior, Pelágio Lemos e Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Às três horas da tarde,
do dia 8, partia para Viana do Castelo a Comissão Republicana Municipal, em
virtude de não ter recebido, até aquela hora, "comunicações oficiais que a
autorizassem a tomar posse da Câmara Municipal".
*- Tito de Morais não
era natural de Ponte de Lima. No entanto, seu pai,o agrónomo Manuel Rodrigues
de Morais, havia nascido nesta localidade.
[actualizado.-1.ª publicação: 2006.10.07]
A Comissão Municipal Republicana, "toma posse e
conta da gerência" do Município de Ponte de Lima.
Respeitando as determinações do Governador Civil do Distrito de Viana do
Castelo, Belchior de Figueiredo, transmitidas por telegrama de 9 de Outubro de
1910, no dia imediato, o ainda Presidente da Câmara, Reverendo António Joaquim
da Costa e Sousa, procedeu à entrega do poder aos dirigentes republicanos de
Ponte de Lima.
Em cerimónia realizada nos Paços do Concelho, com numerosa assistência presente
na sala das sessões, e “grande concorrência de povo no local da Praça da
Rainha, fronteiro à janela da referida sala e no qual se encontrava uma força
de dezanove praças do Regimento de Infantaria número três, comandada pelo
Tenente senhor Joaquim Augusto de Oliveira e a Filarmónica dos Artistas, desta
vila”*, assumiu a gestão camarária a Comissão Municipal Republicana,
constituída pelos membros efectivos, Manuel José de Oliveira, António José
Barbosa Perre, Francisco Pereira Campos, Bento António Gonçalves Pereira,
Albino de Matos, José de Oliveira Martins de Albuquerque e Bernardo de Oliveira
Gomes da Cunha, e pelos membros substitutos, Manuel de Sousa Amorim, Anselmo
Armando dos Reis Sequeiros, António José de Sousa, José Bento Fernandes Lima,
Avelino Pereira Guimarães, António Passos da Silva Brito e Manuel José de
Araújo.
António José Barbosa Perre, que, como vogal mais velho, passou à presidência, e
após uma breve intervenção, ainda na sala das sessões, em que historiou o seu
percurso político, ao serviço da causa republicana, e salientou o facto de ter
decorrido praticamente sem derrame de sangue a revolução, dirigiu-se, entre
vivas e aplausos, para o pátio onde, novamente, usou da palavra, proclamando a
República Portuguesa.
Seguidamente, com a força militar em continência, entre vivas à República
Portuguesa, à Pátria, ao Exército, à Armada e à Felicidade Nacional, e com a
filarmónica executando A Portuguesa, foi hasteada, no mastro do edifício, a
bandeira verde e vermelha com a legenda, em branco, Pátria e Liberdade. No ar,
misturavam-se o som dos foguetes e as ovações dos presentes.
“Por fim, o senhor Presidente Barbosa Perre, retomando o seu lugar, designou a
próxima Quinta-feira, dia treze, para a primeira sessão, pela uma hora da
tarde, e deu por concluído o acto de posse da Comissão Municipal, e aclamação
do novo regime português”*, que, curiosamente, em Ponte do Lima, foi duplamente
proclamado – a 7 e 10 de Outubro de 1910.
*- Cf. Anais Municipais de Ponte de Lima, 1938, pág.
127/129.
[actualizado. 1.ª publicação: 2006.10.11]
No mesmo dia em que a administração da Câmara Municipal de Ponte de Lima
passava, oficialmente, para as mãos dos republicanos, Reinaldo Varela (Ponte de
Lima*, 1861 - Lisboa, 1940), criava o seu Fado Republicano.
Reinaldo Varela, herdeiro de tradição familiar,
possuía formação musical e distinguiu-se como compositor, guitarrista, cantor e
professor, tendo elaborado vários compêndios, entre eles, os publicados com os
títulos (grafia actualizada) de "Compêndio mais correcto e aumentado para
aprender a tocar guitarra sem música e sem mestre", "Método prático e
simples para aprender a tocar bandolim sem música", "Método fácil de
viola francesa para aprender sem música", "Breves explicações sobre o
processo de tocar guitarra e bandolim, pelo sistema de algarismos".
O seu nome ficará, para sempre, ligado à história do
fado, quer como compositor (os seus fados ainda são interpretados, na
actualidade), quer como cantor, tendo gravado cerca de 150 discos, a partir de
1904. O recente protocolo, assinado entre instituições nacionais e o inglês
Bruce Bastin, para aquisição, pelo nosso país, de parte do importante espólio
deste coleccionador, no caso e na sua maioria referente a fado, veio chamar à
ribalta este nosso conterrâneo*, e vai permitir-nos, esperamos que brevemente,
desfrutar da sua arte.
Já raiou pr’a Portugal
A aurora d’um novo dia,
Será o novo regime,
O nosso farol e guia.
Ao ribombar da metralha
E ao som da Portuguesa
O povo tornou-se herói
Expulsando a realeza.
Há muito que Portugal
Pátria d’um povo guerreiro
Devia pela Republica
Livrar-se do captiveiro.
Enfim chegou o momento
De lutar pela igualdade!...
Brandêmos todos em coro,
Viva a Pátria e a Liberdade!
(O Fado Republicano, do limiano Reinaldo Varela (1861-1940), na voz de Vitorino)
A aurora d’um novo dia,
Será o novo regime,
O nosso farol e guia.
Ao ribombar da metralha
E ao som da Portuguesa
O povo tornou-se herói
Expulsando a realeza.
Há muito que Portugal
Pátria d’um povo guerreiro
Devia pela Republica
Livrar-se do captiveiro.
Enfim chegou o momento
De lutar pela igualdade!...
Brandêmos todos em coro,
Viva a Pátria e a Liberdade!
[1.ª publicação: 2006.10.11]
(O Fado Republicano, do limiano Reinaldo Varela (1861-1940), na voz de Vitorino)
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