quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O Gigante Farolas



O Gigante Farolas


Para o João e a Diana

     Há muitíssimos anos, para o lado de Montedor, junto ao cabelo de um pedaço de Terra que viria a ser um simpático País chamado Portugal, vivia, nas profundidades do Oceano Atlântico, um gigante – raça humana desaparecida milénios depois dos dinossáurios – conhecido pela vontade insaciável de se divertir de forma perversa, afundando as embarcações de pesca que cruzavam os seus domínios.
     O gigante, de nome Farolas, quando vinha a terra, espalhava receio e destruição nos sítios por onde passava. Para se ter uma ideia, mesmo tímida, do seu tamanho, basta dizer que uma vaca não lhe ocupava a totalidade da palma da mão.
     Logo que lhe ouviam os passos, os habitantes fugiam para o monte (Montedor, por isso), aterrorizados, tentando esconder-se em grutas e outros locais dissimulados, para escaparem à sua malvadez.
     Felizmente, ele saía reduzidas vezes e por pouco tempo. É que o seu sangue era abrasador, como enorme incêndio e necessitava constantemente de água do mar para poder manter uma temperatura corporal que lhe evitasse sufocar com o próprio calor emanado.
     Na aldeia viviam dois irmãos, ainda pequenos, chamados Diana e João que, como os outros meninos e todos os adultos, também temiam o gigante e as suas maldades. Sendo muito espertos e sabendo que quando saía, talvez para não esquentar, o Farolas bebia todos os líquidos que encontrava no percurso, um dia, no intuito de livrarem a localidade daquele tormento, engendraram uma armadilha.
     A estratégia que expuseram aos chefes da aldeia era a seguinte: reunir todo o vinho possível, metê-lo em barris e colocá-lo, sabiamente, desde a praia até ao cimo do monte.
     O gigante Farolas, sem nada suspeitar, avistou aqueles pipos, que a ele lhe pareciam cálices sem pé, e decidiu verificar o que continham. Aproximou-se do primeiro, levantou-o, com uma só mão, cheirou-o e bebeu. No segundo e terceiro procedeu de forma idêntica. Agradado com o sabor e a frescura daquele néctar, continuou a esvaziar os barris, consecutivamente, e a afastar-se do mar, mais de que era habitual.
     Chegado ao cimo do monte, e após consumir ainda uns tantos hectolitros de vinho, decidiu encostar-se a uns enormes penedos que ali existiam.
     Atordoado pelo álcool e cansado pela caminhada alongada, adormeceu profundamente, erecto.
     O tempo foi passando, a noite empurrou o Sol para fora do Céu e o gigante continuava adormecido.
    João e Diana que, na companhia dos vizinhos, aguardavam com muita paciência e bem escondidos, deram estão instruções para a última parte do plano. Em carros de bois colocaram pedras, que transportaram até junto do Farolas e que os adultos foram empilhando à volta dele, cobrindo-o na totalidade, só deixando uma abertura junto aos olhos.
     Conforme os meninos tinham previsto, o corpo do gigante começou a aquecer intensamente, com tal vigor, que as pedras entraram em fusão e foram aderindo, camada após camada, formando pedras e corpanzil do Farolas um único elemento, compacto, como inexpugnável torre arredondada.
     Ao despertar, o gigante, ressacado e confuso, julgando-se ainda móvel e de carne e osso, tentou deslocar-se, mas as toneladas de pedra impediam qualquer tipo de movimento. Só os olhos, concentrando o lume do enorme corpo, chispavam, espalhando focos de luz em todas as direcções.
     Desde então, e para expiar os pecados, lá permanece, transmudado, berrando e difundindo luz, alumiando, nas noites cerradas, o caminho aos barcos que dantes desfazia.
     Já não lhe chamam gigante Farolas, o tempo, a transfiguração e a memória, mudaram-lhe o nome. Agora, é conhecido por Farol de Montedor, faísca de raiva de noite, grita nos dias de nevoeiro, mas a ninguém amedronta.

             (in descontos diversos, 1996)

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