O Gigante Farolas
Para o João e a Diana
Há
muitíssimos anos, para o lado de Montedor, junto ao cabelo de um pedaço de
Terra que viria a ser um simpático País chamado Portugal, vivia, nas
profundidades do Oceano Atlântico, um gigante – raça humana desaparecida
milénios depois dos dinossáurios – conhecido pela vontade insaciável de se
divertir de forma perversa, afundando as embarcações de pesca que cruzavam os
seus domínios.
O
gigante, de nome Farolas, quando vinha a terra, espalhava receio e destruição
nos sítios por onde passava. Para se ter uma ideia, mesmo tímida, do seu
tamanho, basta dizer que uma vaca não lhe ocupava a totalidade da palma da mão.
Logo que lhe ouviam os passos, os habitantes fugiam para o monte
(Montedor, por isso), aterrorizados, tentando esconder-se em grutas e outros
locais dissimulados, para escaparem à sua malvadez.
Felizmente, ele saía reduzidas vezes e por pouco tempo. É que o seu
sangue era abrasador, como enorme incêndio e necessitava constantemente de água
do mar para poder manter uma temperatura corporal que lhe evitasse sufocar com
o próprio calor emanado.
Na
aldeia viviam dois irmãos, ainda pequenos, chamados Diana e João que, como os
outros meninos e todos os adultos, também temiam o gigante e as suas maldades.
Sendo muito espertos e sabendo que quando saía, talvez para não esquentar, o
Farolas bebia todos os líquidos que encontrava no percurso, um dia, no intuito
de livrarem a localidade daquele tormento, engendraram uma armadilha.
A
estratégia que expuseram aos chefes da aldeia era a seguinte: reunir todo o
vinho possível, metê-lo em barris e colocá-lo, sabiamente, desde a praia até ao
cimo do monte.
O
gigante Farolas, sem nada suspeitar, avistou aqueles pipos, que a ele lhe
pareciam cálices sem pé, e decidiu verificar o que continham. Aproximou-se do
primeiro, levantou-o, com uma só mão, cheirou-o e bebeu. No segundo e terceiro
procedeu de forma idêntica. Agradado com o sabor e a frescura daquele néctar,
continuou a esvaziar os barris, consecutivamente, e a afastar-se do mar, mais
de que era habitual.
Chegado ao cimo do monte, e após consumir ainda uns tantos hectolitros
de vinho, decidiu encostar-se a uns enormes penedos que ali existiam.
Atordoado pelo álcool e cansado pela caminhada alongada, adormeceu
profundamente, erecto.
O
tempo foi passando, a noite empurrou o Sol para fora do Céu e o gigante
continuava adormecido.
João e Diana que, na companhia dos vizinhos, aguardavam com muita
paciência e bem escondidos, deram estão instruções para a última parte do
plano. Em carros de bois colocaram pedras, que transportaram até junto do
Farolas e que os adultos foram empilhando à volta dele, cobrindo-o na
totalidade, só deixando uma abertura junto aos olhos.
Conforme os meninos tinham previsto, o corpo do gigante começou a
aquecer intensamente, com tal vigor, que as pedras entraram em fusão e foram
aderindo, camada após camada, formando pedras e corpanzil do Farolas um único
elemento, compacto, como inexpugnável torre arredondada.
Ao
despertar, o gigante, ressacado e confuso, julgando-se ainda móvel e de carne e
osso, tentou deslocar-se, mas as toneladas de pedra impediam qualquer tipo de
movimento. Só os olhos, concentrando o lume do enorme corpo, chispavam,
espalhando focos de luz em todas as direcções.
Desde então, e para expiar os pecados, lá permanece, transmudado,
berrando e difundindo luz, alumiando, nas noites cerradas, o caminho aos barcos
que dantes desfazia.
Já
não lhe chamam gigante Farolas, o tempo, a transfiguração e a memória,
mudaram-lhe o nome. Agora, é conhecido por Farol de Montedor, faísca de raiva
de noite, grita nos dias de nevoeiro, mas a ninguém amedronta.
(in descontos diversos, 1996)
Sem comentários:
Enviar um comentário