A VACA DAS CORDAS EM
PONTE DE LIMA
José Sousa Vieira
1.
Fonte mais remota
Quiçá a sua mais antiga referência
conhecida, e durante muito tempo esquecida, foi revelada por Miguel Roque dos
Reys Lemos (1831-1897), em trabalho datado de 1873[1],
que, referindo-se ao Livro de Vereações do Arquivo Municipal de Ponte de Lima,
1602-1605, f.182, escreveu: “cordas – vacca das – Obrigação do marchante
obrigado ao corte nos açougues, - a dar seis touros para a festa do Corpus
Christi, - sendo 5 no dia, - e um para ser corrido na véspera com cordas”.
De facto o documento existe e foi lavrado
em 11 de Julho de 1604[2].
Com data posterior são muitas as fontes escritas divulgadas onde, com relativa
eficácia, é possível acompanhar o trajecto desta prática. Diversos
investigadores as têm mencionado. Vamos, portanto, avançar no tempo e
fixarmo-nos em 1913, exactamente um século atrás.
2. Em
1913
Nesse
ano, a tradição só foi cumprida à segunda tentativa. Reza a imprensa local[3],
que de forma álacre relata essa Vaca das Cordas e nos
encaminha para pormenores e percursos de tempos anteriores, em texto que não identifica o autor e de que
transcrevemos parte: “ (...) Não foi corrida na tarde de
quinta-feira[4], porque, quebrando as prisões num esticão rápido, abalou para as verdes
montadas da armada, donde viera para o espectáculo brutal!
O caso produziu fundo desconsolo na enorme concorrência, que antegostava os prazeres do seu predilecto divertimento; e, daí, a corrida da vaca das cordas – que por sinal era boi – na tarde de domingo.
O caso produziu fundo desconsolo na enorme concorrência, que antegostava os prazeres do seu predilecto divertimento; e, daí, a corrida da vaca das cordas – que por sinal era boi – na tarde de domingo.
Ser boi ou vaca não nos parece, porém,
motivo para controvérsia, pois que uma postura municipal de 1720 lhe chama touro
das cordas. A corrida realizou-se no domingo – dia iluminado e quente como de
pleno estio – com numerosíssima assistência de pessoas da vila e arredores.
Somos do tempo em que esta usança tinha ainda o seu feitio tradicional.
O bicho era amarrado às grades de ferro da janela do sopé da torre da igreja da Matriz, à tarde da véspera do Corpus Christi, e agrilhoado e apupado pela multidão, esperava espumando raiva, que terminassem as solenidades religiosas, que nesse dia se faziam ali com a presença do senado, as paredes forradas de fresca ramaria e no pavimento espanadas e funcho oloroso.
A aludida postura impunha a todos os moleiros do termo a obrigação de virem na véspera de Corpus Christi à vila para andarem com o touro das cordas – sob a pena de 480 réis pagos na cadeia para o concelho quem faltasse – e por isso, após as solenidades, dois desses moleiros tomavam conta do cornúpeto, e segurando-o com valentia por fortes e compridas cordas davam com ele três voltas em redor da igreja e seguiam depois, a trote e no meio de alaridos e confusão, para o Passeio e amplo areal, onde os perigosos boléus arrancavam delirantes aplausos, e tais e outras sortes tinham sucesso ruidoso ao ânimo dos numerosíssimos espectadores!!
Era uma cena selvagem, que apaixonava novos e velhos e parecia produzir alvoroçadas alegrias nos mais graves e circunspectos! ...”
Somos do tempo em que esta usança tinha ainda o seu feitio tradicional.
O bicho era amarrado às grades de ferro da janela do sopé da torre da igreja da Matriz, à tarde da véspera do Corpus Christi, e agrilhoado e apupado pela multidão, esperava espumando raiva, que terminassem as solenidades religiosas, que nesse dia se faziam ali com a presença do senado, as paredes forradas de fresca ramaria e no pavimento espanadas e funcho oloroso.
A aludida postura impunha a todos os moleiros do termo a obrigação de virem na véspera de Corpus Christi à vila para andarem com o touro das cordas – sob a pena de 480 réis pagos na cadeia para o concelho quem faltasse – e por isso, após as solenidades, dois desses moleiros tomavam conta do cornúpeto, e segurando-o com valentia por fortes e compridas cordas davam com ele três voltas em redor da igreja e seguiam depois, a trote e no meio de alaridos e confusão, para o Passeio e amplo areal, onde os perigosos boléus arrancavam delirantes aplausos, e tais e outras sortes tinham sucesso ruidoso ao ânimo dos numerosíssimos espectadores!!
Era uma cena selvagem, que apaixonava novos e velhos e parecia produzir alvoroçadas alegrias nos mais graves e circunspectos! ...”
3.
A Corrida à corda, em Portugal
Luís Dantas (1946-2011) refere que “em
1488 já D. João II havia confirmado por alvará as corridas à corda na região de
Sintra (…)”[5] e, para
além de várias localidades no território de Castela e outras regiões de
Espanha, elenca diversas povoações portuguesas onde essa prática, ao correr dos
tempos, se efectuou: Ilha Terceira (Açores), onde ainda persiste; Castelo
Branco; Santiago do Cacém; Arruda dos Vinhos; Alcabideche; Almoçageme; Aljezur;
Monchique; Cascais; Aldeia do Penedo em Sintra; Lisboa “no ano de 1562, no
tempo de D. Sebastião, a preparar uma tourada no Terreiro do Paço”, com “o
alcaide Nicolau Moniz a cavalo afastando a gente para se correr um touro que se
corria por cordas”[6]; Ponte de
Lima que, com diversas interrupções, impostas ou voluntárias, e faltando
precisar o seu início, a conserva até aos nossos dias.
[1] -Indice
Alphabetico das Principais Matérias dos Livros das Vereações do Archivo
Municipal de Ponte de Lima.
[2] - Fig.1
[3]
- Cardeal Saraiva, n.º 102, 29 de Maio de 1913. O Comércio do Lima, outro importante jornal
local, pouco noticia, manifestando oposição ao “divertimento”
[4]
. Estava prevista para o dia do Corpo de Deus. Essa situação surge referida,
também, em outros anos.
[5] - A Vaca
das Cordas em Ponte de Lima, 2006.
[6] - Idem
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