[de Diogo Bernardes – O Nosso Elegante Teatro]
1. UMA POVOAÇÃO NA ROTA DO ESPECTÁCULO
1.3 – AS CELEBRAÇÕES PARTICULARES
«Portugal. Ponte de Lima, 20 de Dezembro (de 1727)
O Baptismo do primeiro filho varão dos Viscondes de Vila Nova de Cerveira se celebrou nesta Vila no Oratório dos mesmos Viscondes, com pompa e magnificência. Administrou-lho o Ilustríssimo Arcebispo de Braga, Rodrigo[1] de Moura Teles, que veio expressamente a Ponte de Lima a esta função, pondo-lhe o nome de Dom Tomás Xavier de Lima. Foi padrinho seu avô materno o Visconde Dom Tomás de Lima e Vasconcelos, por procuração mandada a Dom Francisco Xavier Pinto de Sousa, que se achava nesta vila; a cujo acto se achou grande parte da Nobreza desta Província, toda de gala, com muita magnificência e luzimento. De noite houve luminárias por toda a Vila e Castelo; e especialmente em todo o palácio e jardim. Este se via todo bordado de luzes, com o mesmo debuxo das murtas, onde havia muitos vasos de flores de várias cores, todas de iluminação, fontes que lançavam fogo em lugar de água, pórticos, anfiteatros, estátuas, cornijas, colunas e quartelas, tudo iluminado, duas fontes de vinho para o povo, por quem se distribuíram muitos doces e outras coisas comestíveis, com dois coros de música de instrumentos e vozes, que se alternavam grande parte da noite. Representou-se também no Palácio dos mesmos Viscondes uma Comédia nova, representada por pessoas de distinção, e composta por Luís Calisto da Costa e Faria,[2] Abade da Igreja de São Pedro de Rubiães, e Secretário de Suas Excelências, adornada de várias contradanças, ordenadas por um Mestre de dança Alemão, que se acha nesta Vila. No terceiro dia houve uma folia Real de vários bailes de Braga, os mais curiosos e galantes. No quarto se cantou na Igreja Matriz uma Missa em acção de graças, com assistência de algumas Dignidades; e de noite se representou uma Comédia de Calderon. No quinto se tornou a repetir a primeira, e no sexto houve várias danças, e contradanças, sérias e burlescas, alternadas com Serenatas compostas de vozes e instrumentos, repartindo-se em todas as ocasiões doces e refrescos, e em todas as noites mesa pública abundantíssima de todo o comestível; e porque o tempo sobreveio chuvoso se não puderam executar as festas de cavalo, justas e sortilhas, que se tinha disposto, com considerável despesa da Nobreza desta Província.»[3] E - quem sabe? - talvez tudo isto despertando a imberbe curiosidade de Manuel de Figueiredo[4] que havia nascido por aí há cerca de 28 meses.
Na descrição das celebrações em torno desse baptismo, realizado a 8 de Dezembro, de Tomás Xavier nascido a 12 de Outubro desse ano de 1727, e que viria a ser o 1.º Marquês de Ponte de Lima, englobando 2 comédias com 3 representações, dança, música (coral, instrumental) com a participação de amadores locais, bailes ao estilo dos durante muito tempo presentes principalmente nos festejos ao S. João, faltando apurar se aqui já eram usuais ou vieram posteriormente a ser introduzidos, temos uma mostra daquilo que se foi praticando muito tempo e com maior ou menor exposição.
Refira-se, em reforço, um outro baptizado, a 26 de
Outubro de 1745,[5]
de António José Joaquim de Menezes, filho de Maria Rosa de Menezes e João
Manuel de Menezes, na Capela da Casa dos seus pais (Calheiros?), em que, entre
os festejos celebrativos, se representou uma comédia no pátio da sua casa; e,
em 6 de Agosto de 1752,[6] os casamentos dos irmãos
António Pereira Pinto de Araújo e Azevedo e Antónia Ventura Pereira Pinto de
Azevedo, o primeiro com a prima Marquesa Francisca de Araújo e Azevedo e ela
com o pai da noiva do seu irmão e tio Luís de Araújo e Azevedo, na Capela de
Nossa Senhora do Rosário, da Casa de Sá. Os festejos que duraram até ao dia 13
englobaram representações. Do casamento de António Pereira Pinto de Araújo de
Azevedo Fagundes com Marquesa Francisca de Araújo e Azevedo viria a nascer, na
mesma casa, a 14 de Maio de 1754, o que foi Conde da Barca, António de Araújo
de Azevedo,[7]
também ele, na sua muito preenchida vida, com diversos interesses e vocações culturais,
parecendo que como dramaturgo terá escrito uma “Osmia” e uma “Nova Castro”.[8]
[1] No relato consta Rui. Rodrigo de Moura Teles (1644-1728) foi reitor da Universidade de Coimbra (1690-1694), bispo da Guarda (1694-1704) e arcebispo primaz de Braga de 1704 a 1728 e com importante papel pastoral e de enorme relevo cultural.
[2] Luís Calisto da Costa e Faria (1679 -?). Natural da Guarda era um poeta apreciado, escrevendo em castelhano, e que a história teatral não ignorou. Entre outros, dele fala Teófilo Braga, na sua História do Teatro Português (A Baixa Comédia e a Ópera - Século XVIII), (1871), e Sousa Bastos na Carteira do Artista (1898). Esteve ao serviço da Casa do Visconde de Vila Nova de Cerveira e, já aos 45 anos, foi ordenado presbítero, tendo passado pela Abadia de Santa Comba de Eiras, actualmente no concelho dos Arcos de Valdevez, e Abadia de S. Pedro de Ruviães, agora pertencente ao concelho de Paredes de Coura, ambas coladas de apresentação dos viscondes de Vila Nova de Cerveira. Escreveu também comédias, tendo ficada manuscritas El sítio de Campo Maior e Rugero e Bradamonte. Não encontramos qualquer referência particular à “comédia nova” em Ponte de Lima levada à cena.
[3] Gazeta de Lisboa Ocidental, n.º 04, quinta-feira, 22 de Janeiro de 1728.
[4] Manuel de Figueiredo (1725-1801). Foi BORRALHO, Maria Luísa Malato da Rosa, quem lhe restituiu a naturalidade ao desvendar que o pretenso alfacinha era, na verdade, um limarense. Na sua obra “Manuel de Figueiredo – Uma perspectiva do neoclassicismo português (1745-1777) ”, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995, que a autora informa ser versão abreviada da sua dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra em 1987, é possível acompanhar este aspecto. De Manuel de Figueiredo, o mais profícuo dramaturgo da sua época, se foi dizendo que praticamente não teve oportunidade de ver a representação de peças suas. Talvez não tenha sido tanto assim (MÜLLER (Berlim) Christoph,”Teoria e Práxis do Teatro na Arcádia Lusitana”, em: MÜLLER, Christoph, NEUMANN, Martin (Edit.), O Teatro em Portugal nos séculos XVIII e XIX, Edições Colibri /Instituto Ibero-Americano (Berlim), Lisboa, 2015, pp.14-17), parecendo certo a pouca receptividade do público, o que diversos investigadores aclaram (vide, BARATA, José Oliveira, “A poética de Manuel de Figueiredo”, em: Humanitas, Vol. XLV, Coimbra, 1993, pp.313-334). Pelos tempos, aproveitando peças suas, se foram criando alguns espectáculos, quiçá recuperando o “…oiro de Énio com que fazer muitos Virgílios”, extraível da leitura das suas obras, de acordo com pronunciamento de Almeida Garrett (em: Catão, prefácio da 3.ª edição, Lisboa, 1845), sendo talvez o mais significativo “Um Poeta Afinado” estreado a 24 de Maio de 1990, pelo Teatro da Cornucópia, no Teatro do Bairro Alto, em dramatização de Manuel João Gomes, colagem de 3 peças de Manuel de Figueiredo, “O Ensaio Cómico”, “Perigos da Educação” e “O Dramático Afinado ou Crítica aos Perigos da Educação”, com encenação de Luís Miguel Cintra, dando 34 representações. Para maior conhecimento, ver: MARTINS, José Cândido Oliveira, “Manuel de Figueiredo”, em: ABREU, João Gomes (Coord.),Figuras Limianas, Ponte de Lima, Município de Ponte de Lima, 2008, pp.114-116.
[5] Gazeta de Lisboa, n.º 46, terça-feira, 16 de Novembro de 1745.
[6] Gazeta de Lisboa, n.º 31, quinta-feira, 07 de Setembro de 1752.
[7] António de Araújo e Azevedo (1754-1817). Ver: MALAFAIA, Eurico de Ataíde, “António de Araújo e Azevedo – 1.º Conde da Barca”, em: ABREU, João Gomes (Coord.),Figuras Limianas, Ponte de Lima, Município de Ponte de Lima, 2008, pp.146-149).
[8] Ver: VÁZQUEZ, Raquel Bello, Uma certa ambiçaõ de gloria – Trajectória, redes e estratégias de Teresa de Mello Breyner nos campos intelectual e do poder em Portugal (1770-1798), Santiago de Compostela, 2005, em que o tema da autoria da “Osmia” é profusamente abordada e, também, nos fornece outros pormenores sobre o Conde da Barca.
Crédito da Imagem - Desenho de Justino Vaz Valente (1898-1954), mostrando uma "Ponte de Lima" talvez semelhante a das datas referidas nas celebrações.
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