É em nota de rodapé, ao Capítulo VII (A nobreza, seu carácter e concidadanismo com o povo. Um magistrado “rapaz”. Couto e honra de Brandara.), da Primeira Parte, da 1.ª edição dos Anais Municipais de Ponte de Lima, pág. 36, que encontramos, segundo A.P., a razão para a retirada de circulação e proibição, temporária (1938-1940), desta obra.
Importa a leitura do mesmo (mantido na 2.ª (1977) e 3.ª edição (2003) dos Anais Municipais de Ponte de Lima) para se poder enquadrar, no tempo e no espaço, o acrimonioso da nota de rodapé que transcrevemos pela única razão de ter sido suprimida nas edições subsequentes, permitindo, assim, um acesso generalizado à mesma.
Sem mais comentários, segue, com grafia actualizada, o texto.
(45) Num manuscrito anónimo, que possuímos, lêem-se as seguintes considerações:
“O patriotismo, ou o chamado amor da pátria, é uma virtude, cujo nome, assim como o da amizade, anda na boca de todos e não passa de uma divindade imaginária. Nada há mais comum do que ouvir os políticos repetirem a cada instante que o objecto dos seus planos e fadigas é só o bem da pátria: se porém os privam dos empregos, ou se lhes diminuem a ração, se se lhes limita o patronato, ou se se desaprovam as suas concepções, - eis eles mudados de rumo: - seu patriotismo converte-se em oposição ao governo e seus esforços dirigem-se a frustrar as medidas de seus sucessores, ainda que padeçam os interesses da sua pátria.
“O patriotismo não passa de uma espécie de verniz com que se decoram as acções dos homens. O verdadeiro patriotismo é o interesse: podemos chamar-lhe o deus universal, que assim recebe os sufrágios do mundo velho e novo: o outro patriotismo tão assoalhado em tudo e em toda a parte e em todos os tempos, é um fantasma, uma ridicularia pomposa, um nada fascinador.
“Quem tiver a paciência de folhear a história, encontrará em cada página milhares de vítimas sacrificadas a esta estátua.
“Que guerra se abriu sem este pretexto?
“Que campo de carnagem se limitou que não tenha a pomposa inscrição funeral – perderam a vida pela pátria?!
“No entanto o mundo vive enganado a este respeito. Consultemos a razão e acharemos em resultado, por exemplo, que o homem que professa a nobre carreira militar, quando diz – vou entrar em campanha pelo amor da pátria, faz mira, o soldado ao soldo e ao despojo, e o oficial aos postos: tirai-lhes esse incentivo e os vereis em casa.
“O interesse da glória, o desejo dos postos, a ambição da superioridade, natural no coração do homem, - eis o que chamam patriotismo: as grandes proezas nunca se fizeram às escuras: se não houvesse testemunhas, nem Curcio se precipitaria, nem Atílio Regulo se sacrificaria.
“Na antiga Roma esta salutar mania chegou ao seu auge. Cícero foi chamado o pai da pátria, porque resistiu à conspiração de Catilina; mas se não resiste perdia o consulado e a vida: eis o seu verdadeiro patriotismo: - e isto é tanto verdade que ele deu-se depois magnificamente com o Sr. Júlio César, que assassinou a liberdade da sua pátria.
“Que homem mais cheio de patriotismo do que o cidadão Bonaparte no cerco de Toulon?! De tenente passou a general, de general a cônsul, de cônsul a imperador. Eis o seu patritismo.
“Mas não mendiguemos exemplos alheios, que em nossa casa os temos nós de sobejo!
“ - Afonso Henriques expulsa os mouros: o seu patriotismo era uma coroa.
“ - O Mestre d’Avis foi o grande patriota contra o Conde Andeiro; pôs-se à frente do povo; e uma coroa foi a sua devoção.
“ - Que patriotismo tinha o Duque de Bragança quando servia o tirano de sua pátria?! Acenaram-lhe com uma coroa e eis que se tornou o pai da pátria!
“ – O bispo do Porto em 1808 foi o grande patriota contra os franceses? Antevia a mitra patriarcal.
“ – Que era o Silveira antes de ser patriota? – Tenente-coronel. Depois do seu patriotismo? – Conde de Amarante.
“O patriotismo é o interesse, o amor da própria conveniência.
“Eis o motivo porque esses negociantes de revoluções, quando são felizes, se arrogam logo o direito às rédeas do governo; - porque o seu patriotismo é tamanho que só eles são capazes de dirigir os negócios públicos. Então açambarcam por patriotismos altos e pingues cargos: e no fim do seu patriotismo, a uns dá-lhes a balda para aparecerem condes ou viscondes; a outros, comendadores e fidalgos: e os mais espertos, feito o seu pecúlio, isto é, arranjado pão para a velhice por simples patriotismo, dá-lhes para se remeterem à vida de grandes capitalistas, de grandes do reino com todas as suas ostentações.”
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