sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

A FEIRA DE PONTE


Com este título apareceu no jornal Cardeal Saraiva, n.º 2047 de 31 de Maio de 1963, um texto que viria a originar uma longa polémica. No mesmo, o seu autor, o Conde d’Aurora, que o data de Lisboa “ao regressar do enterro de Aquilino”1, insurge-se contra a progressiva degradação que o imposto de terrado, lançado pela Câmara Municipal de Ponte de Lima em 1959, escudada nas obrigações resultantes do(s) Plano(s) de Fomento criado em 1953 pelo Estado Novo, estava a provocar.
O Conde d’Aurora, assistindo ao definhar da feira do gado, entre outras considerações, afirma que Ponte de Lima “sem indústria, sem fábricas, sem produtos especiais – vive paulatinamente da sua pequenina lavoura, lavoura “à moda do Minho”, pão e vinho, gado e uns pinheiritos, pequenina, pequeníssima propriedade agrícola...”, e “a sua única riqueza, o seu único valor económico (porque o Turismo ainda não descobriu a sua beleza peregrina e discreta, clássica e recatada...) – o seu único valor económico é a feira quinzenal”, (...) “essa maravilhosa feira, a mais bela de todo o Portugal – graças à ponte que arruma o gado – renques e renques alinhados, de bois piscos – ao Nordeste, e o resto, tudo o resto, tão disciplinadamente à banda do Sul-Poente .”
Mas, escreve o Conde d’Aurora, “estão a dar cabo da feira” (...) “sobrecarregando-a de impostos, vexando-a de alcavalas fiscais”, (...) “suste-se tal medida, por Deus – ou morre a feira de Ponte.”
Afirmando que outras feiras, como a da Barca e a de Lanheses, que não aplicaram o mesmo imposto, ficaram, desde então, mais concorridas que a de Ponte de Lima, sustenta que “o lavrador – o pobre lavrador que só tem o gado para pagar a décima e o resto todo! – o lavrador traz o gado à feira, mas se o não vende, paga, paga na mesma, o mesmo imposto” pelo que, em consequência, “passa a ir à Barca ou a Lanheses – ou a vir à feira o menos possível”.
Apela, de seguida, para que “volte a ser franca, a velha, a tradicional, a admirável feira quinzenal de Ponte de Lima – ou morrerá!”, e termina dizendo aqui ficar “o clamor, o aflitivo clamor, prece, oração, grito de alma de um limiano que nasceu há 2/3 de século com a feira – e quer morrer antes de ver morrer a Feira!”

1 – Aquilino Ribeiro, falecido em Lisboa a 27 de Maio de 1963, e enterrado, na mesma cidade (no Cemitério dos Prazeres), no dia seguinte.

No número imediato (Cardeal Saraiva, 2048 de 7 de Junho de 1963), o tema é tratado na Gazetilha:




E, em 28 de Junho de 1963, é a vez de comerciantes locais, por quem dão a assinatura Luís José Pinto e Vasco Pereira Gonçalves, em carta, que o jornal Cardeal Saraiva n.º 2049 transcreve, apoiarem e agradecerem o artigo do Conde d’Aurora, e, entre outros pormenores, lembrando que “a feira quinzenal é para o seu comércio o dia das melhores transacções”, corroboram o seu declínio e o consequente prejuízo que a quebra da feira do gado tem provocado ao comércio local, pois o homem do campo “deixa de vir à feira, não visita o café, não vai aos restaurantes, não faz as suas compras e não vende em Ponte de Lima o seu gado. Onde vende faz as compras”.
E sugerem que a Câmara acabe com o imposto sobre os géneros agrícolas e o gado e, para manter a receita, aumente aos feirantes, de fora do concelho, pois “o feirante não interessa ao comércio porque só vende, nada compra e leva o dinheiro que dentro do comércio poderá ser aplicado e fazer surgir a indústria que tanto faz falta.”

Também no Cardeal Saraiva n.º 2049, aparece, com o título Esclarecimento, a reacção da Câmara, procurando demonstrar o evoluir das receitas cobradas (71.467$50, em 1953; 74.091$20, em 1954; 68.397$50, em 1955; 82.537$90, em 1956; 83.247$50, em 1957; 78.511$60, em 1958; 126.026$30, em 1959, ano da introdução da “taxa de terrado”; 134.747$00, em 1960; 134.520$80, em 1961 e 143.933$70, em 1962, sendo, oriundas da “feira do gado”, 37.700$00, em 1959; 36.500$00, em 1960; 39.600$00, em 1961 e 44.300$00, em 1962), o que, na sua opinião, contrariava o diminuir da importância da feira, e chamando a atenção de que se não aplicasse a taxa do terrado, e por força das obrigações que à Câmara trazia o plano de fomento, teria de ser cobrado o “imposto de trabalho que seria muito mais pesado aos produtores agrícolas do concelho”.

(continua)

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