sábado, 17 de fevereiro de 2007

O CARNAVAL EM PONTE DE LIMA (1865-1868)




A discordância quanto à etimologia da palavra Carnaval, a sua ancestralidade, como remanência possível de festejos de gregos e ou de romanos, a forma hábil como a cultura cristã o tentou adaptar, a ligação, a partir do séc. VI, segundo alguns, à Quaresma, que cerca de dois séculos antes terá entrado para o calendário litúrgico, possivelmente nunca preocupou as mentes da quase totalidade dos foliões que, geração após geração, não perderam, nem perdem, a oportunidade de nele participar de forma activa.
Em Ponte de Lima, o advento da imprensa escrita permite acompanhar alguns desses festejos.
Em 1865, já lá vão 142 anos, o O Lethes n.º 9, de 3 de Março, descreve como decorreram os bailes de máscaras em “todos os três dias de Carnaval”, no primeiro andar da casa do Sr. José Brandão, no Largo de Além da Ponte, e no Paço do Marquês de Ponte de Lima.
Pouco concorridos, os de “Além”, muito participados, de mascarados e espectadores, o que leva a crer “que estes são os divertimentos que mais interesse inspiram aos nossos conterrâneos”, os do Paço, ali na proximidade da Câmara Municipal, edifício onde também estava instalado o Teatro D. Fernando, que, de portas fechadas, cumpria mais uma proibição, recorrentes durante a sua existência.
“O Salão do Paço era vistosamente decorado. O plano de divisão tirava tudo à forma porque se achava a sala do antigo Café Concerto, em Lisboa. A parte da galeria, que formava a cabeceira do salão, era adornada de quase todas as elegantes que compõem a nossa mais selecta sociedade(...)”, descrevia o articulista, que não deixou de invectivar os adversários políticos  ao pormenorizar algumas das mascaradas (O Lethes, numa alegoria ao jornal; Baco; as velhas janotas; o romeiro; o terror do tanas).
E é, fundamentalmente, em tom de confronto que, no mesmo texto, se descreve “um desacato às cousas sagradas”. “Um espectáculo indigno, novo porém nos fastos deste concelho (..)”
“Em parte alguma se consente que este ao aquele, por ignorância ou malevolência faça a mais insignificante alusão aos actos da nossa religião, da religião do Estado(1), ridicularizando-a.”
“Na quadra do Carnaval os editais de polícia lembram sempre a proibição de tal prática como incriminada e punida pelas nossas leis.”
Não obstante, numa “insolente mascarada dos que precedem o fúnebre préstito do Cristo morto”, entraram no “salão dos mascarados de matraca em frente, com os competentes fogaréus, seis homens, que para melhor semelharem os farricocos, envergaram os vestidos que estes usam, e se acham depositados na Santa Casa da Misericórdia desta vila”.
“Sacrilégio igual jamais houve no centro de uma povoação católica como esta se presa de ser”, e tudo na presença da autoridade administrativa que, impassível, “contemplou tal desacato”.
Termina, o articulista, pedindo, ao governador civil, a punição severa dos autores e cúmplices, e antes escreve que este “concelho está confiado ao Srs. Gonçalo Manoel da Rocha Barros e José Pereira de Sá Sotto-maior, aquele administrador do concelho, este substituto, e na actualidade no exercício das respectivas funções (...) e a Santa Casa da Misericórdia desta vila (...) entregue à vigilância e solicitude do Sr. padre António da Feitosa e Tenente Coronel, José Francisco Pereira & C. (...)”, numa clara tentativa do envolvimento destes adversários políticos no “desacato às cousas sagradas”.

Em 1866 e 1867, no Teatro D. Fernando, em benefício das Irmandades da Senhora das Dores e de S. João Baptista, são anunciados diversos bailes de máscaras.
No ano seguinte, 1868, os bailes efectuam-se no Teatro D. Fernando e no Hotel dos Dois Amigos, no Pinheiro.
Segundo o Echo do Lima, n.º 157 de 27 de Fevereiro, no “teatro a concorrência de máscaras (...) foi diminuta. Em compensação no Hotel dos Dois Amigos houve muita animação (...)” e “dançou-se entusiasticamente até às 4 horas da manhã”.





(1) Em Portugal, a Lei da Separação entre o Estado e a Igreja foi publicada a 20 de Abril de 1911, na sequência da implantação da República, em 1910. Esta lei provocou diversos conflitos, incluindo o corte de relações diplomáticas do Vaticano com Portugal.

1 comentário:

Francisco Rodrigues disse...

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