segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

“Homem prevenido vale por… democrata”


     Entrou rapidamente na farmácia, olhou com perspicácia para todos os cantos – mesmo para o canto do olho do farmacêutico – e, depois de se certificar que estava sozinho, pediu uma caixa de 200 drageias de pluralismo, 100 injecções de democracia e 1.000 comprimidos anti-totalitários. A receita, naturalmente, estava assinada pelo único clínico com autorização para tão importantes medicamentos, o Dr. Civilização Ocidental, e o carimbo de autentificação era genuíno: três letras dominadoras e azuis – USA.
     Usou todos os seus sentidos para preparar a saída, teve mesmo uma ligeira indisposição quando viu uma ameaçadora mancha vermelha a avançar – o farmacêutico, desastrado, tinha virado um fraco de mercúrio-cromo – mas, recomposto, saiu a assobiar porque para a retirada ele tinha um princípio irrevogável: fazer-se dar o mais possível nas vistas que é – segundo ele – a melhor forma de passar despercebido, embora saiba que o omnipresente partido político português – e por ser isso mesmo – o está a controlar. Não importava, o importante – dizia satisfeito – é que estava prevenido para um larguíssimo período. Podiam os inimigos lembrar o seu duvidoso passado, a terapêutica é infalível, embora, o que a torna irritante, a tenha de usar permanentemente. É que ele sabe que “se águas passadas não movem moinhos”, já moveram e ainda anda por aí muita “farinha”.

(Cardeal Saraiva, n.º 2954, 29 de Janeiro de 1982)

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