domingo, 9 de abril de 2017

O REGRESSO DO JUDAS

O REGRESSO DO JUDAS



     Parece que o último sopro de vida do Judas, de António Plácido, foi em 1925.
   Fora das gazetilhas que o foram lembrando, mas não executando e, talvez, ignorando algumas execuções a não merecerem referência da imprensa, Ponte de Lima teria de esperar oito anos para assistir ao regresso da prática, e agora, possivelmente, pelo génio de Guerrinha (João Dantas Guerra), recém-chegado do Brasil.
   O jornal Cardeal Saraiva, de 08 de Abril de 1933, relata: «Há já alguns anos que Judas Iscariote não sofre entre nós o suplício da pena a que eternamente o votaram./ Porém, no sábado de Aleluia, vai mais uma vez levantar-se no Largo Rodrigues Alves o cadafalso a que subirá um dos muitos judas que abundam por este país…». E ajudando ao reclame, David Braga, no mesmo jornal, lá foi escrevendo, pela pena de Judas, «…Que há muitos como eu, muitos dos tais,/Capazes de vender o Deus ungido.// Antes de mim, já vós ereis no mundo/ Canalha a mais, em cujo olhar profundo/ Se via toda a ausência de Registo.// Mas ficai-vos p’ra aí, gente maldita,/ Em busca de coleira e de marmita/ Que eu vou arrepender-me aos pés de Cristo.»
  Mas se não foi esta a estreia do Judas, do Guerrinha, ela não se fez esperar, ganhou, como o de Plácido, honra de notícia e, até, anos volvidos, esta saborosa evocação na escrita arguta de Luís Dantas, publicada também no jornal Cardeal Saraiva, agora de 21 de Abril de 1967 e incluída em texto com o título «A Páscoa em Ponte»: «Uma réstia de sol anuncia o sábado de aleluia. Os rapazes da vila já pularam da cama e correm à lapa, aonde o «Guerrinha» trabalha nas caricaturas ridículas da terra, no Judas, que, sob o assédio deles, vem, manhã fora, para o Largo de Camões. Ali fica, aos olhos dos que desejam ver e saber de quem se trata, esperando a primeira hora da tarde para ver o estoiro. / Entretanto vendem-se os testamentos…O «Guerrinha» não tem mãos a medir. Todos compram as quadras de sabor popular a rimar piadas e ironias. Elas andam na boca do mundo. Há legados, estrambólicos legados, aos típicos da terra…coisas que ao diabo não lembra./ Risos no largo. Desdenha-se dos testas franzidas. E entre algarreio de vozes o Iscariote rebenta. A vila e a gente da meia tijela se alvoroçam. / Dias idos, o feitiço havia-se voltado contra o feiticeiro. Já todos sabiam que o «Guerrinha», de um enxerto de porrada, foi à botica atar uma ligadura à cabeça. Mas tudo é de ocasião. Tudo depois esquece e passa.»
 

Crédito da Ilustração: Arquivo Municipal de Ponte de Lima (http://arquivo.cm-pontedelima.pt/noticia.php?id=986)

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