4. DA INAUGURAÇÃO AO FIM DA
EMPRESA [excerto]
1896
A cargo da “muito numerosa”(1) Companhia de Ópera Cómica
Portuguesa, dirigida pelo actor Francisco Cruz(2) e com a orquestra sob a batuta
do maestro Rio de Carvalho(3), ficaram os espectáculos teatrais da inauguração
oficial do Teatro Diogo Bernardes de Ponte de Lima.
Os bilhetes foram colocados
à venda no estabelecimento do Sr. Lobato, até às seis horas da tarde do dia dos
espectáculos, e de noite no bilheteiro do teatro, com preços individuais de 140
a 500 réis, e colectivos (6 entradas para frisas e camarotes, de 1$500 a 3$000
réis) e desconto de 10% para os assinantes.
A primeira récita, marcada para a
noite do dia inaugural das Festas das Dores (Romaria e Feiras Francas [Feiras
Novas] de Nossa Senhora das Dores), nesse ano, 19 de Setembro, um sábado que se
apresentou com “um belo sol e uma atmosfera temperada,”(4) às 8 horas da noite,
com casa repleta, muita gente trajando de gala, tendo todos assistido, "de pé,
ao descerramento do pano de boca, que representa uma vista do Lima, - areal,
ponte, margens pitorescas e casario do outro lado, e uma larga perspectiva dos
montes - em que se nos revela o mérito superior e pujantes aptidões artísticas
de Eduardo Reis(5)", e após ovação "ruidosa ao som do hino nacional(6) executado
pela orquestra", passou-se à primeira representação no palco do novo teatro com
Os Sinos de Corneville (Les Cloches de Corneville), adaptação livre de Eduardo
Garrido da famosa ópera cómica, francesa, em 3 actos e 4 quadros, da autoria de
Robert Planquette (música), Clairville (pseudónimo de Louis François Nicolaie) e
Charles Gabet.
Na segunda-feira, dia 21, representou-se a primeira peça de
autores portugueses, a ópera cómica, em 3 actos, O Burro do Sr. Alcaide, de
Gervásio Lobato e D. João da Câmara, com música de Cyriaco de Cardoso.
No dia
22, novamente o teatro francês, a opereta Os 28 dias de Clarinha (Les 28 jours
de Clairette), em 4 actos, original de Hippolyte Raymond e Antony Mars, em
tradução de Acácio Antunes e Gervásio Lobato, com música de Victor Roger. Como
particularidade, refira-se que a peça foi apresentada em Ponte de Lima com
supressões, transformando os 28 dias de Clarinha, “que na fonte limpa são de se
lhe tirar o chapéu”, num “produto anódino, desconexo…”(7) Assim, “algumas
mutilações, que voluntariamente se fizeram para ocultar certos pontos da opereta
um tanto frescos, enredaram bastante o seu desempenho…”(8)
A encerrar o programa
da inauguração, no dia 23, quarta-feira, subiu à cena O Moleiro d'Alcalá, ópera
cómica, em 3 actos e 4 quadros, em adaptação de Eduardo Garrido da novela de
Pedro Antonio de Alarcón, El Sombrero de Tres Picos, com música do maestro
francês Justin Clérice.
Ainda em Setembro, a 25, sexta-feira, a direcção do
teatro organizou um espectáculo “a benefício do distinto cenógrafo Sr. Eduardo
Reis”(9). Repetiu-se O Moleiro de Alcalá e foi também representada a comédia em
1 acto, de origem espanhola, que José Sebastião Machado Correia havia traduzido,
“Simão, Simões & Companhia”.
Actores, o cenógrafo Eduardo Reis e Alfredo Mâncio
“hábil caricaturista” que, num dos intervalos, “executou no palco algumas
caricaturas instantâneas com perfeição e habilidade… em tamanho natural e
revestidas duma certa graça”,(10) mereceram a chamada do público e o seu
aplauso.
Para despedida da Companhia, a 27 de Setembro, foi levado à cena o
drama, em 5 actos e 8 quadros, As Duas Órfãs, de Adolphe d’Ennery.
A Companhia
não trazia nomes de grande destaque. No entanto, dos que foram sendo referidos
pela imprensa, alguns deixaram marcas teatrais de que particularizamos, sem
qualquer intuito pejorativo para a memória dos demais, Luiza de Oliveira(11) e
Eusébio de Melo(12).
(1) Jornal Política Nova, Ponte de Lima, n.º 263, 27 de
Setembro de 1896.
(2) Foi possível recolher, para além do nome do director da
Companhia, o actor Francisco Cruz, os da actriz Luiza de Oliveira e dos actores
J. [Júlio?] de Sousa, J. Salles, E.[Estevão?] Moniz, Eusébio de Melo, [João?]
Rebocho. Existe também uma referência dispersa, a carecer de confirmação, de que
o guarda-roupa era de Augusto Franco.
(3) Rio de Carvalho (João Pedro Augusto) –
(1838-1907) – Natural de Lisboa, onde nasceu a 20 de Setembro, muito cedo
demonstrou vocação musical. Foi aluno do conservatório e aos 14 anos era já
executante de violino na Orquestra do Teatro de S. Carlos, tendo, mais tarde,
chegado a dirigir a mesma. Foi como maestro e compositor que mais se destacou
deixando muitas obras, sacras e profanas, a maior parte para teatro. Tinha a sua
autoria o Te Deum executado na aclamação de D. Carlos, em 1889. Aquando do seu
falecimento, em Lisboa a 2 de Novembro, entre outros cargos, era director da
Orquestra da Real Câmara e agraciado com o hábito das Ordens de Cristo e de São
Tiago. No campo musical, também um seu filho, Ernesto, alcançou alguma
notoriedade.
(4) Jornal Política Nova, Ponte de Lima, n.º 262, 20 de Setembro de
1896.
(5) Jornal A Semana, Ponte de Lima, n.º 229, 24 de Setembro de 1896.
(6)
Atribuído a D. Pedro IV, que o terá composto no Brasil, onde era Príncipe
Regente, dedicado à primeira Constituição Liberal Portuguesa, aprovada em 22 de
Setembro de 1822, e que a partir de Maio de 1834 se transformou no Hino
Nacional, só substituído pela "A Portuguesa", na sequência da implantação da
República, a 5 de Outubro de 1910.
(7) Jornal A semana, Ponte de Lima, n.º 229,
24 de Setembro de 1896.
(8) Jornal Política Nova, Ponte de Lima, n.º 263, 27 de
Setembro de 1896.
(9) Idem.
(10) Idem.
(11) Luiza de Oliveira (1864-1932) – Em
Portugal, onde nasceu a 12 de Outubro, embora tenha estado ligada a algumas
companhias de renove, não atingiu particular destaque. Foi no Brasil, com
actuações conhecidas a partir de 1902, que o seu nome artístico alcançou
notoriedade. Incluídas no elenco que Eduardo Victorino contratou em 1903, o
infortúnio de Georgina Pinto, que vítima de febre-amarela faleceu no Rio de
Janeiro a 12 de Abril desse ano, permitiu a Luiza de Oliveira desempenhar papéis
que não lhe estavam reservados. A actriz acabou por se radicar no Brasil, lá
trabalhando, com bastante realce, várias décadas. Em 1929, uma enfermidade
manifestada durante uma temporada na Baía, na Companhia do actor Jayme Santos,
não lhe permitiu continuar a sua actividade artística. Faleceu a 07 de Novembro
de 1932 e, no dia seguinte, o jornal do Rio de Janeiro, O Radical, considerou-a
“a mais festejada dama característica do teatro brasileiro de declamação
contemporâneo”.
(12) Eusébio de Melo (1863-1922) – Nasceu a 16 de Dezembro, a
sua formação terá sido orientada para o professorado primário mas a plateia
ter-lhe-á parecido escassa. Acabou como actor, de teatros de feira e ambulantes
a outros espaços mais acolhedores, em digressão ou incluído em elencos fixos.
Passou mesmo por alguns dos Teatros mais conhecidos de Lisboa, como o Avenida, o
Trindade e o da rua dos Condes, o novo. Efectuou duas digressões ao Brasil, em
1906, de Maio a Outubro, integrado na Companhia A. Miranda, e de Outubro de 1910
a Fevereiro de 1911, na denominada Companhia de operetas, mágicas e revistas do
Theatro da rua dos Condes, de Lisboa. Aquando da sua morte, a 23 de Setembro, a
imprensa não o deixou de referir: enquanto para a Ilustração Portuguesa (n.º
868, 7 de Outubro de 1922), era “uma das figuras mais simpáticas da cena
lisboeta”, o A Capital (n.º 4183, 27 de Setembro de 1922), considerou-o “um
homem que soube engrandecer a sua arte” e “lá ficou no cemitério um grande
artista desgraçado” e “a sua última criação, a sua morte! Representou de mendigo
– ele que era um Cresos do talento!”. Em 1927, Penha Coutinho (revista ABC, n.º
366, 21 de Julho) referiu que foi “um dos artistas que mais prometeu, nos papéis
de baixo-cómico”. Terá sido a boémia a grande culpada pelo incumprimento. Em
Lousa, freguesia do concelho de Loures, a toponímia conserva o nome actor
Eusébio de Melo.
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