domingo, 19 de setembro de 2021

No dia em que a inauguração oficial do Teatro Diogo completa 125 anos.

De Diogo Bernardes – O Nosso Elegante Teatro:

 4. DA INAUGURAÇÃO AO FIM DA EMPRESA [excerto] 



1896 

A cargo da “muito numerosa”(1) Companhia de Ópera Cómica Portuguesa, dirigida pelo actor Francisco Cruz(2) e com a orquestra sob a batuta do maestro Rio de Carvalho(3), ficaram os espectáculos teatrais da inauguração oficial do Teatro Diogo Bernardes de Ponte de Lima. 
Os bilhetes foram colocados à venda no estabelecimento do Sr. Lobato, até às seis horas da tarde do dia dos espectáculos, e de noite no bilheteiro do teatro, com preços individuais de 140 a 500 réis, e colectivos (6 entradas para frisas e camarotes, de 1$500 a 3$000 réis) e desconto de 10% para os assinantes. 
A primeira récita, marcada para a noite do dia inaugural das Festas das Dores (Romaria e Feiras Francas [Feiras Novas] de Nossa Senhora das Dores), nesse ano, 19 de Setembro, um sábado que se apresentou com “um belo sol e uma atmosfera temperada,”(4) às 8 horas da noite, com casa repleta, muita gente trajando de gala, tendo todos assistido, "de pé, ao descerramento do pano de boca, que representa uma vista do Lima, - areal, ponte, margens pitorescas e casario do outro lado, e uma larga perspectiva dos montes - em que se nos revela o mérito superior e pujantes aptidões artísticas de Eduardo Reis(5)", e após ovação "ruidosa ao som do hino nacional(6) executado pela orquestra", passou-se à primeira representação no palco do novo teatro com Os Sinos de Corneville (Les Cloches de Corneville), adaptação livre de Eduardo Garrido da famosa ópera cómica, francesa, em 3 actos e 4 quadros, da autoria de Robert Planquette (música), Clairville (pseudónimo de Louis François Nicolaie) e Charles Gabet. 
Na segunda-feira, dia 21, representou-se a primeira peça de autores portugueses, a ópera cómica, em 3 actos, O Burro do Sr. Alcaide, de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, com música de Cyriaco de Cardoso. 
No dia 22, novamente o teatro francês, a opereta Os 28 dias de Clarinha (Les 28 jours de Clairette), em 4 actos, original de Hippolyte Raymond e Antony Mars, em tradução de Acácio Antunes e Gervásio Lobato, com música de Victor Roger. Como particularidade, refira-se que a peça foi apresentada em Ponte de Lima com supressões, transformando os 28 dias de Clarinha, “que na fonte limpa são de se lhe tirar o chapéu”, num “produto anódino, desconexo…”(7) Assim, “algumas mutilações, que voluntariamente se fizeram para ocultar certos pontos da opereta um tanto frescos, enredaram bastante o seu desempenho…”(8) 
A encerrar o programa da inauguração, no dia 23, quarta-feira, subiu à cena O Moleiro d'Alcalá, ópera cómica, em 3 actos e 4 quadros, em adaptação de Eduardo Garrido da novela de Pedro Antonio de Alarcón, El Sombrero de Tres Picos, com música do maestro francês Justin Clérice.
Ainda em Setembro, a 25, sexta-feira, a direcção do teatro organizou um espectáculo “a benefício do distinto cenógrafo Sr. Eduardo Reis”(9). Repetiu-se O Moleiro de Alcalá e foi também representada a comédia em 1 acto, de origem espanhola, que José Sebastião Machado Correia havia traduzido, “Simão, Simões & Companhia”. 
Actores, o cenógrafo Eduardo Reis e Alfredo Mâncio “hábil caricaturista” que, num dos intervalos, “executou no palco algumas caricaturas instantâneas com perfeição e habilidade… em tamanho natural e revestidas duma certa graça”,(10) mereceram a chamada do público e o seu aplauso. 
Para despedida da Companhia, a 27 de Setembro, foi levado à cena o drama, em 5 actos e 8 quadros, As Duas Órfãs, de Adolphe d’Ennery. 
A Companhia não trazia nomes de grande destaque. No entanto, dos que foram sendo referidos pela imprensa, alguns deixaram marcas teatrais de que particularizamos, sem qualquer intuito pejorativo para a memória dos demais, Luiza de Oliveira(11) e Eusébio de Melo(12). 



(1) Jornal Política Nova, Ponte de Lima, n.º 263, 27 de Setembro de 1896.
(2) Foi possível recolher, para além do nome do director da Companhia, o actor Francisco Cruz, os da actriz Luiza de Oliveira e dos actores J. [Júlio?] de Sousa, J. Salles, E.[Estevão?] Moniz, Eusébio de Melo, [João?] Rebocho. Existe também uma referência dispersa, a carecer de confirmação, de que o guarda-roupa era de Augusto Franco. 
(3) Rio de Carvalho (João Pedro Augusto) – (1838-1907) – Natural de Lisboa, onde nasceu a 20 de Setembro, muito cedo demonstrou vocação musical. Foi aluno do conservatório e aos 14 anos era já executante de violino na Orquestra do Teatro de S. Carlos, tendo, mais tarde, chegado a dirigir a mesma. Foi como maestro e compositor que mais se destacou deixando muitas obras, sacras e profanas, a maior parte para teatro. Tinha a sua autoria o Te Deum executado na aclamação de D. Carlos, em 1889. Aquando do seu falecimento, em Lisboa a 2 de Novembro, entre outros cargos, era director da Orquestra da Real Câmara e agraciado com o hábito das Ordens de Cristo e de São Tiago. No campo musical, também um seu filho, Ernesto, alcançou alguma notoriedade. 
(4) Jornal Política Nova, Ponte de Lima, n.º 262, 20 de Setembro de 1896. 
(5) Jornal A Semana, Ponte de Lima, n.º 229, 24 de Setembro de 1896. 
(6) Atribuído a D. Pedro IV, que o terá composto no Brasil, onde era Príncipe Regente, dedicado à primeira Constituição Liberal Portuguesa, aprovada em 22 de Setembro de 1822, e que a partir de Maio de 1834 se transformou no Hino Nacional, só substituído pela "A Portuguesa", na sequência da implantação da República, a 5 de Outubro de 1910. 
(7) Jornal A semana, Ponte de Lima, n.º 229, 24 de Setembro de 1896. 
(8) Jornal Política Nova, Ponte de Lima, n.º 263, 27 de Setembro de 1896. 
(9) Idem. 
(10) Idem. 
(11) Luiza de Oliveira (1864-1932) – Em Portugal, onde nasceu a 12 de Outubro, embora tenha estado ligada a algumas companhias de renove, não atingiu particular destaque. Foi no Brasil, com actuações conhecidas a partir de 1902, que o seu nome artístico alcançou notoriedade. Incluídas no elenco que Eduardo Victorino contratou em 1903, o infortúnio de Georgina Pinto, que vítima de febre-amarela faleceu no Rio de Janeiro a 12 de Abril desse ano, permitiu a Luiza de Oliveira desempenhar papéis que não lhe estavam reservados. A actriz acabou por se radicar no Brasil, lá trabalhando, com bastante realce, várias décadas. Em 1929, uma enfermidade manifestada durante uma temporada na Baía, na Companhia do actor Jayme Santos, não lhe permitiu continuar a sua actividade artística. Faleceu a 07 de Novembro de 1932 e, no dia seguinte, o jornal do Rio de Janeiro, O Radical, considerou-a “a mais festejada dama característica do teatro brasileiro de declamação contemporâneo”. 
(12) Eusébio de Melo (1863-1922) – Nasceu a 16 de Dezembro, a sua formação terá sido orientada para o professorado primário mas a plateia ter-lhe-á parecido escassa. Acabou como actor, de teatros de feira e ambulantes a outros espaços mais acolhedores, em digressão ou incluído em elencos fixos. Passou mesmo por alguns dos Teatros mais conhecidos de Lisboa, como o Avenida, o Trindade e o da rua dos Condes, o novo. Efectuou duas digressões ao Brasil, em 1906, de Maio a Outubro, integrado na Companhia A. Miranda, e de Outubro de 1910 a Fevereiro de 1911, na denominada Companhia de operetas, mágicas e revistas do Theatro da rua dos Condes, de Lisboa. Aquando da sua morte, a 23 de Setembro, a imprensa não o deixou de referir: enquanto para a Ilustração Portuguesa (n.º 868, 7 de Outubro de 1922), era “uma das figuras mais simpáticas da cena lisboeta”, o A Capital (n.º 4183, 27 de Setembro de 1922), considerou-o “um homem que soube engrandecer a sua arte” e “lá ficou no cemitério um grande artista desgraçado” e “a sua última criação, a sua morte! Representou de mendigo – ele que era um Cresos do talento!”. Em 1927, Penha Coutinho (revista ABC, n.º 366, 21 de Julho) referiu que foi “um dos artistas que mais prometeu, nos papéis de baixo-cómico”. Terá sido a boémia a grande culpada pelo incumprimento. Em Lousa, freguesia do concelho de Loures, a toponímia conserva o nome actor Eusébio de Melo.

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