terça-feira, 4 de agosto de 2015

“O ÚLTIMO CHAPÉU ALTO DE LISBOA”

“O ÚLTIMO CHAPÉU ALTO DE LISBOA”
José Sousa Vieira

   Nascido na sede do concelho de Ponte de Lima a 28 de Novembro de 1868, João Inácio de Araújo Lima cedo demonstrou apetência para a erudição, quiçá por ter sido aluno de Miguel Roque dos Reis Lemos (1831-1897) e amigo de, entre outros, António Feijó (1859-1917), Delfim Guimarães (1872-1933) e António de Pádua (1869-1914).
    Com Delfim Guimarães, e convocando João do Nascimento Reis da Costa, Feliciano Gonçalves Pereira, João de Melo Pereira e Sousa, Francisco Severo de Freitas, Júlio Pereira Pinto e António de Pádua para, consigo, constituírem a Comissão fundadora, criava na terra natal, em 1888, o Club Recreativo Diogo Bernardes[1].
  Significativo é o percurso deste homem que a morte acolheu a 25 de Outubro de 1941: padre desde 1891; professor iniciado em 1899; colaborador na imprensa; polemista; dicionarista[2]; impulsionador da transladação dos restos mortais do poeta António Feijó e sua esposa, de Estocolmo, Suécia, para Ponte de Lima, em 1927, e do monumento ao poeta inaugurado em 1938, também em Ponte de Lima[3]; benemérito, legando património imobiliário e a sua importante biblioteca aos padres da paróquia de Ponte de Lima; e tanto mais que o passar do tempo não tem, felizmente, deixado passar[4].
 E desse espólio de vida fiquemos com outros pormenores, que servem para melhor ilustrar, sem esgotar, o seu estar irreverente e interventivo, ao recordar que o seu nome já estava envolvido em acesas discussões, na Câmara dos Senhores Deputados, muito antes de lá ter acesso por direito eleitoral. O Padre João Inácio de Araújo Lima terá desencadeado um contencioso que agitou imprensa e poderes e atingiu o Hospício da Irmandade dos Clérigos Pobres, aberto no Convento de Santa Marta, em Lisboa.[5]
   Mais tarde, entre 1906 e 1910[6], foi deputado, mas o seu apelido ainda ecoa em Lisboa (onde ensinou muitas gerações, no Liceu do Carmo/Liceu Camões, até 1935) ligado a outras artes: a oratória e a gastronomia.
   Foi, muito tempo, uma das personalidades mais sonantes das tertúlias da Havaneza do Chiado e, dizem, o último chapéu alto da capital.[7]
  A gastronomia era, para ele, uma devoção. Parece que por Lisboa ainda consta em alguns cardápios, ou constou durante muito tempo, o seu bife: O Bife à Padre Araújo Lima.[8]





[1]   Marques, Galino (Org.), In Memoriam de Delfim Guimarães 1872-1933, João I. de Araújo Lima, “Amizade de 45 anos!", pp. 221/224, Guimarães & C.ª, Lisboa, 1934.
[2]    Em 1918 é publicado, corrigido, ampliado e actualizado por ele, professor do Liceu Camões, e A. Guterres d’Oliveira Santos, do Ensino Livre, o Grande Dicionário Contemporâneo Francês-Português, de Domingos de Azevedo. Já em Novembro de 1916 era anunciado no jornal Cardeal Saraiva, de Ponte de Lima, que se iria iniciar a publicação, em tomos, da 2.ª edição desta obra e que, nesta vila, a assinatura estava aberta na Livraria Guimarães à Praça de Camões.
[3]   Em 1939 edita, em Lisboa, como Secretário da «Comissão dos Amigos e Admiradores de António Feijó», “Homenagens a António Feijó (1927-1938)”.
[4]     As referências, em livros variados, revistas e jornais, são frequentes. Recordemos, como exemplo, os “Anais Municipais de Ponte de Lima”, 1.ª edição, 1938, e o Arquivo de Ponte de Lima, Vol. II, 1981.
[5]   Diário da Câmara dos Senhores Deputados, d/n.ºs, 1903.
[6]   Eleito nas eleições realizadas em 29 de Abril de 1906, 19 de Agosto de 1906 e nas de 5 de Abril de 1908. Nas eleições de 28 de Agosto de 1910 terá sido derrotado, mas, como é conhecido, esta Câmara não chegou a ser empossada. Dizia, em entrevista concedida em 1935 ao Diário de Lisboa, ter aprendido a ser progressista com o pai.
[7]    Conforme os números 4.665 e 4.670, de 12 e 16 de Novembro de 1935, do Diário de Lisboa. O chapéu alto era comum entre os parlamentares da Monarquia Constitucional, entre outros. O Padre Araújo Lima em afronta à República, e desprezo por aqueles que com a mudança mudaram de chapéu, continuou a usá-lo e isso o individualizou em Lisboa.
[8]   Entram o azeite, cenoura raspada, cebola, chalota do Gerês, aipo, salsa. O vinho branco e o vinagre, o tomilho e o louro, grãos-de-pimenta e cravo-da-índia também estão na receita. Os bifes do lombo, a manteiga, natas aciduladas com gotas de limão e o pão frito em manteiga completam os ingredientes. Não sei se algum ficou esquecido, ou se existem variantes neste pitéu. Por isso o restante, ordem, tempos de preparação e modo de servir, fica ao vosso cuidado.

Ilustrações:  - Recorte do jornal O Diário de Lisboa, n.º 4.670, de 16 de Novembro de 1935, com entrevista concedida pelo padre Araújo Lima, com fotografia onde ressaltam o seu porte físico e o seu famoso chapéu alto.
                   -  Fotografia, em retrato, existente no Museu dos Terceiros.

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