“O ÚLTIMO CHAPÉU ALTO
DE LISBOA”
José Sousa Vieira
Nascido na sede do concelho de Ponte de Lima
a 28 de Novembro de 1868, João Inácio de Araújo Lima cedo demonstrou apetência
para a erudição, quiçá por ter sido aluno de Miguel Roque dos Reis Lemos (1831-1897)
e amigo de, entre outros, António Feijó (1859-1917), Delfim Guimarães
(1872-1933) e António de Pádua (1869-1914).
Com Delfim Guimarães, e convocando João do
Nascimento Reis da Costa, Feliciano Gonçalves Pereira, João de Melo Pereira e
Sousa, Francisco Severo de Freitas, Júlio Pereira Pinto e António de Pádua
para, consigo, constituírem a Comissão fundadora, criava na terra natal, em
1888, o Club Recreativo Diogo Bernardes[1].
Significativo é o percurso deste homem que a
morte acolheu a 25 de Outubro de 1941: padre desde 1891; professor iniciado em
1899; colaborador na imprensa; polemista; dicionarista[2]; impulsionador da
transladação dos restos mortais do poeta António Feijó e sua esposa, de
Estocolmo, Suécia, para Ponte de Lima, em 1927, e do monumento ao poeta inaugurado
em 1938, também em Ponte de Lima[3]; benemérito, legando
património imobiliário e a sua importante biblioteca aos padres da paróquia de
Ponte de Lima; e tanto mais que o passar do tempo não tem, felizmente, deixado
passar[4].
E desse espólio de vida fiquemos com outros
pormenores, que servem para melhor ilustrar, sem esgotar, o seu estar irreverente
e interventivo, ao recordar que o seu nome já estava envolvido em acesas
discussões, na Câmara dos Senhores Deputados, muito antes de lá ter acesso por
direito eleitoral. O Padre João Inácio de Araújo Lima terá desencadeado um
contencioso que agitou imprensa e poderes e atingiu o Hospício da Irmandade dos
Clérigos Pobres, aberto no Convento de Santa Marta, em Lisboa.[5]
Mais
tarde, entre 1906 e 1910[6], foi deputado, mas o seu
apelido ainda ecoa em Lisboa (onde ensinou muitas gerações, no Liceu do Carmo/Liceu
Camões, até 1935) ligado a outras artes: a oratória e a gastronomia.
Foi, muito tempo, uma das personalidades mais
sonantes das tertúlias da Havaneza do Chiado e, dizem, o último chapéu alto da
capital.[7]
A gastronomia era, para ele, uma devoção. Parece
que por Lisboa ainda consta em alguns cardápios, ou constou durante muito
tempo, o seu bife: O Bife à Padre Araújo Lima.[8]
[1] Marques,
Galino (Org.), In Memoriam de Delfim Guimarães 1872-1933, João I. de Araújo
Lima, “Amizade de 45 anos!", pp. 221/224, Guimarães & C.ª, Lisboa,
1934.
[2] Em 1918 é
publicado, corrigido, ampliado e actualizado por ele, professor do Liceu Camões,
e A. Guterres d’Oliveira Santos, do Ensino Livre, o Grande Dicionário
Contemporâneo Francês-Português, de Domingos de Azevedo. Já em Novembro de 1916
era anunciado no jornal Cardeal Saraiva, de Ponte de Lima, que se iria iniciar
a publicação, em tomos, da 2.ª edição desta obra e que, nesta vila, a
assinatura estava aberta na Livraria Guimarães à Praça de Camões.
[3] Em 1939 edita, em Lisboa, como
Secretário da «Comissão dos Amigos e Admiradores de António Feijó», “Homenagens
a António Feijó (1927-1938)”.
[4] As referências, em livros
variados, revistas e jornais, são frequentes. Recordemos, como exemplo, os
“Anais Municipais de Ponte de Lima”, 1.ª edição, 1938, e o Arquivo de Ponte de
Lima, Vol. II, 1981.
[5] Diário da
Câmara dos Senhores Deputados, d/n.ºs, 1903.
[6] Eleito nas
eleições realizadas em 29 de Abril de 1906, 19 de Agosto de 1906 e nas de 5 de
Abril de 1908. Nas eleições de 28 de Agosto de 1910 terá sido derrotado, mas, como
é conhecido, esta Câmara não chegou a ser empossada. Dizia, em entrevista
concedida em 1935 ao Diário de Lisboa, ter aprendido a ser progressista com o
pai.
[7] Conforme os números 4.665 e
4.670, de 12 e 16 de Novembro de 1935, do Diário de Lisboa. O chapéu alto era
comum entre os parlamentares da Monarquia Constitucional, entre outros. O Padre
Araújo Lima em afronta à República, e desprezo por aqueles que com a mudança
mudaram de chapéu, continuou a usá-lo e isso o individualizou em Lisboa.
[8] Entram o azeite, cenoura
raspada, cebola, chalota do Gerês, aipo, salsa. O vinho branco e o vinagre, o
tomilho e o louro, grãos-de-pimenta e cravo-da-índia também estão na receita.
Os bifes do lombo, a manteiga, natas aciduladas com gotas de limão e o pão
frito em manteiga completam os ingredientes. Não sei se algum ficou esquecido,
ou se existem variantes neste pitéu. Por isso o restante, ordem, tempos de preparação
e modo de servir, fica ao vosso cuidado.
Ilustrações: -
Recorte do jornal O Diário de Lisboa, n.º 4.670, de 16 de Novembro de 1935, com
entrevista concedida pelo padre Araújo Lima, com
fotografia onde ressaltam o seu porte físico e o seu famoso chapéu alto.
-
Fotografia, em retrato, existente no Museu dos Terceiros.
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