É conhecido. Com redacção dada por terminada por Miguel Roque dos Reys Lemos em 25 de Março de 1887, Os Anais Municipais de Ponte de Lima, copiosamente aditados por Júlio de Lemos(1), foram publicados em Setembro de 1938, não sem que antes e após essas datas tenha ocorrido uma série de acontecimentos que importa, sucintamente, historiar.
Tudo começa durante o reinado de D. Maria II. Uma portaria de 8 de Novembro de 1847 da Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino, de que era então titular António de Azevedo Melo e Carvalho, ordena, a todos os municípios, a elaboração de um “livro especial, denominado ANAIS DO MUNICÍPIO”, onde se registem “os acontecimentos e factos mais importantes que ocorrerem, e cuja memória seja digna de conservar-se; as descobertas de riquezas, substâncias e combustíveis minerais; o aumento ou diminuição da produção agrícola e as causas; a longevidade das pessoas de que houver notícia, com a declaração do modo de vida que tiverem e do alimento habitual; as acções generosas e os nomes de seus autores, que mereçam ser transmitidas às gerações futuras; e, finalmente, tudo quanto possa interessar às gerações futuras.”
Para o cumprimento desta legislação deveria cada município nomear uma comissão que “todos os anos, e no princípio do mês de Março” redigisse “em letra bem legível no referido livro” tudo aquilo que estava previsto na portaria e que deixava amplo espaço de escolha.
Conhecendo a Câmara de Ponte de Lima esta decisão, através da circular de 30 de Novembro de 1847 do Governo Civil de Viana do Castelo, em 6 de Julho de 1848 nomeou Gaspar Pereira Peixoto Ferraz Sarmento, António Roberto de Araújo Queiroz e António José Vieira da Rocha como membros da referida comissão. Ao que consta esta e outras comissões posteriores não efectuaram qualquer trabalho até que em 1873 a Câmara Municipal decide encarregar Miguel Roque dos Reys Lemos dessa e outras tarefas.
Terminada a obra 14 anos depois, em 1887, foram necessários mais 13 anos para que o município encetasse uma primeira tentativa de publicação. Assim decidiram Luiz da Cunha Nogueira, Manuel Gomes Cardoso, João Luiz Carneiro e Manuel Antunes Faria, em sessão camarária de 10 de Março de 1900.
Passou o tempo, o país mudou de regime com a queda da Monarquia e consequente implantação da República, em 1910, e a obra continuava prisioneira nos cofres do município até que, em 1923, por proposta apresentada em sessão de 24 de Março, do então presidente da câmara, Adelino Ribeiro Sampaio e com o acordo de Francisco Pereira Campos, José Mendes da Costa Júnior e Avelino Pereira Guimarães foi decidido solicitar a colaboração do Instituto Histórico do Minho, para “dirigir a publicação, actualizando o Estudo para os Anais Municipais de Ponte de Lima”.
Convite aceite, comissão formada por Luiz Figueiredo da Guerra, Francisco de Abreu Maia e Júlio de Lemos, trabalho efectuado e entregue ao município em 15 de Fevereiro de 1924, com prefácio de Figueiredo da Guerra e artigo sobre Miguel Roque dos Reys Lemos que João Gomes d’Abreu já havia publicado no jornal Cardeal Saraiva, parecia que esta nova tentativa iria surtir o efeito desejado. Mas não, “apesar de a Câmara haver adquirido o papel necessário e o ter mandado pôr numa tipografia local, escolhida para este trabalho”, e por razões que desconhecemos, mais uma vez a edição falhou.
Queda da 1.ª República, ascensão do Estado Novo e, em 1936, o Governador Civil de Viana do Castelo, Tomaz Augusto Salgueiro Fragoso, obedecendo a despacho do Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, faz distribuir a circular n.º 162, de 30 de Março, em que relembra a necessidade de dar cumprimento à decisão da portaria de 8 de Novembro de 1847.
Reage rapidamente a edilidade ponte-limense. O presidente, Capitão Alberto Machado, apresenta proposta para “mandar publicar o Estudo para os Anais do Município de Ponte de Lima”, em sessão camarária de 2 de Julho de 1936, e com a qual concordam António de Abreu Castelo Branco, João Maria de Sousa Lobato, Francisco Leitão Quintela e Rodrigo Inácio Peixoto Lopes Barreto.
Encarregue Júlio de Lemos de coordenar a edição, e em dia das Feiras Novas, volvidos mais de dois anos sobre a decisão camarária, a 17 de Setembro de 1938, ela aí está, cheirando a novo, pronta a circular.
Foi pequena a viagem. A tutela, através do Governador Civil de Viana do Castelo, Rogério Correia Ferreira, manda recolher a edição, proibindo a sua circulação.
Em artigo inserto no jornal Cardeal Saraiva, A.P. (Alcides Pereira), em 30 de Setembro de 1977, e comentando a reedição da obra, também lançada a 17 de Setembro desse ano e em Feiras Novas, ideia da presidência de João António Pinto de Araújo Pimenta, concretizada já na de João Gomes de Abreu Lima, faz alguma luz sobre o assunto.
Escreve A. P.: “Devido à nota n.º 45 (pág. 36 da 1.ª edição e eliminada na actual)* sobre falso patriotismo ou interesseiras motivações patrióticas(2), foi a obra retirada de circulação por ordem do Governo Civil, proibição que só cessou tempos depois por iniciativa do Dr. Carlos de Passos quando vice-presidente da Câmara”.(3)
De facto, entre Outubro de 1938 e o último trimestre de 1940, a imprensa local nada refere desta obra, incluindo, certamente com disfarçada ironia, a edição do Cardeal Saraiva de 10 de Outubro de 1940 a transcrição de um texto de “Bazar”, suplemento literário de a “A Voz”, de 14 de Julho de 1940, que assim finaliza: “A apresentação dos Anais Municipais de Ponte do Lima, neste ano áureo e jubilar do Duplo Centenário, é um facto do melhor e mais puro regionalismo, de que bem pode orgulhar-se a digna Vereação de Ponte de Lima”.
Fontes:
- Anais Municipais de Ponte de Lima, 1938 (responsável por todos os “ ....”, não identificados no texto).
- Jornal Cardeal Saraiva
- Livros de Actas da Câmara Municipal de Ponte de Lima
Tudo começa durante o reinado de D. Maria II. Uma portaria de 8 de Novembro de 1847 da Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino, de que era então titular António de Azevedo Melo e Carvalho, ordena, a todos os municípios, a elaboração de um “livro especial, denominado ANAIS DO MUNICÍPIO”, onde se registem “os acontecimentos e factos mais importantes que ocorrerem, e cuja memória seja digna de conservar-se; as descobertas de riquezas, substâncias e combustíveis minerais; o aumento ou diminuição da produção agrícola e as causas; a longevidade das pessoas de que houver notícia, com a declaração do modo de vida que tiverem e do alimento habitual; as acções generosas e os nomes de seus autores, que mereçam ser transmitidas às gerações futuras; e, finalmente, tudo quanto possa interessar às gerações futuras.”
Para o cumprimento desta legislação deveria cada município nomear uma comissão que “todos os anos, e no princípio do mês de Março” redigisse “em letra bem legível no referido livro” tudo aquilo que estava previsto na portaria e que deixava amplo espaço de escolha.
Conhecendo a Câmara de Ponte de Lima esta decisão, através da circular de 30 de Novembro de 1847 do Governo Civil de Viana do Castelo, em 6 de Julho de 1848 nomeou Gaspar Pereira Peixoto Ferraz Sarmento, António Roberto de Araújo Queiroz e António José Vieira da Rocha como membros da referida comissão. Ao que consta esta e outras comissões posteriores não efectuaram qualquer trabalho até que em 1873 a Câmara Municipal decide encarregar Miguel Roque dos Reys Lemos dessa e outras tarefas.
Terminada a obra 14 anos depois, em 1887, foram necessários mais 13 anos para que o município encetasse uma primeira tentativa de publicação. Assim decidiram Luiz da Cunha Nogueira, Manuel Gomes Cardoso, João Luiz Carneiro e Manuel Antunes Faria, em sessão camarária de 10 de Março de 1900.
Passou o tempo, o país mudou de regime com a queda da Monarquia e consequente implantação da República, em 1910, e a obra continuava prisioneira nos cofres do município até que, em 1923, por proposta apresentada em sessão de 24 de Março, do então presidente da câmara, Adelino Ribeiro Sampaio e com o acordo de Francisco Pereira Campos, José Mendes da Costa Júnior e Avelino Pereira Guimarães foi decidido solicitar a colaboração do Instituto Histórico do Minho, para “dirigir a publicação, actualizando o Estudo para os Anais Municipais de Ponte de Lima”.
Convite aceite, comissão formada por Luiz Figueiredo da Guerra, Francisco de Abreu Maia e Júlio de Lemos, trabalho efectuado e entregue ao município em 15 de Fevereiro de 1924, com prefácio de Figueiredo da Guerra e artigo sobre Miguel Roque dos Reys Lemos que João Gomes d’Abreu já havia publicado no jornal Cardeal Saraiva, parecia que esta nova tentativa iria surtir o efeito desejado. Mas não, “apesar de a Câmara haver adquirido o papel necessário e o ter mandado pôr numa tipografia local, escolhida para este trabalho”, e por razões que desconhecemos, mais uma vez a edição falhou.
Queda da 1.ª República, ascensão do Estado Novo e, em 1936, o Governador Civil de Viana do Castelo, Tomaz Augusto Salgueiro Fragoso, obedecendo a despacho do Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, faz distribuir a circular n.º 162, de 30 de Março, em que relembra a necessidade de dar cumprimento à decisão da portaria de 8 de Novembro de 1847.
Reage rapidamente a edilidade ponte-limense. O presidente, Capitão Alberto Machado, apresenta proposta para “mandar publicar o Estudo para os Anais do Município de Ponte de Lima”, em sessão camarária de 2 de Julho de 1936, e com a qual concordam António de Abreu Castelo Branco, João Maria de Sousa Lobato, Francisco Leitão Quintela e Rodrigo Inácio Peixoto Lopes Barreto.
Encarregue Júlio de Lemos de coordenar a edição, e em dia das Feiras Novas, volvidos mais de dois anos sobre a decisão camarária, a 17 de Setembro de 1938, ela aí está, cheirando a novo, pronta a circular.
Foi pequena a viagem. A tutela, através do Governador Civil de Viana do Castelo, Rogério Correia Ferreira, manda recolher a edição, proibindo a sua circulação.
Em artigo inserto no jornal Cardeal Saraiva, A.P. (Alcides Pereira), em 30 de Setembro de 1977, e comentando a reedição da obra, também lançada a 17 de Setembro desse ano e em Feiras Novas, ideia da presidência de João António Pinto de Araújo Pimenta, concretizada já na de João Gomes de Abreu Lima, faz alguma luz sobre o assunto.
Escreve A. P.: “Devido à nota n.º 45 (pág. 36 da 1.ª edição e eliminada na actual)* sobre falso patriotismo ou interesseiras motivações patrióticas(2), foi a obra retirada de circulação por ordem do Governo Civil, proibição que só cessou tempos depois por iniciativa do Dr. Carlos de Passos quando vice-presidente da Câmara”.(3)
De facto, entre Outubro de 1938 e o último trimestre de 1940, a imprensa local nada refere desta obra, incluindo, certamente com disfarçada ironia, a edição do Cardeal Saraiva de 10 de Outubro de 1940 a transcrição de um texto de “Bazar”, suplemento literário de a “A Voz”, de 14 de Julho de 1940, que assim finaliza: “A apresentação dos Anais Municipais de Ponte do Lima, neste ano áureo e jubilar do Duplo Centenário, é um facto do melhor e mais puro regionalismo, de que bem pode orgulhar-se a digna Vereação de Ponte de Lima”.
Fontes:
- Anais Municipais de Ponte de Lima, 1938 (responsável por todos os “ ....”, não identificados no texto).
- Jornal Cardeal Saraiva
- Livros de Actas da Câmara Municipal de Ponte de Lima
(1)- Justamente, João Gomes d'Abreu, na obra Figuras Limianas, recorda a contribuição do Dr. Francisco de Abreu Maia para os aditamentos ao texto original, todos, na 1.ª edição, assinados por Júlio de Lemos, ignorando o trabalho efectuado, entre 1923 e 1924, pelos restantes membros da comissão nomeada. Fica esta actualização necessária.
(2)- Esta nota não foi, também, incluída na 3.ª edição, de 2003.
(3)- Importa precisar, a não se ter tratado de outra frustrada apresentação a referida pelo jornal "A Voz", que a ter sido por influência de Carlos de Passos a decisão de levantamento da proibição, ele não era, nessa data, o Vice-Presidente. Só em finais de 1943, Carlos de Passos foi nomeado Vice-Presidente.
* - Prometemos, posteriormente, transcrever esta nota.
(2)- Esta nota não foi, também, incluída na 3.ª edição, de 2003.
(3)- Importa precisar, a não se ter tratado de outra frustrada apresentação a referida pelo jornal "A Voz", que a ter sido por influência de Carlos de Passos a decisão de levantamento da proibição, ele não era, nessa data, o Vice-Presidente. Só em finais de 1943, Carlos de Passos foi nomeado Vice-Presidente.
* - Prometemos, posteriormente, transcrever esta nota.
2 comentários:
Caro José Sousa Vieira,
Ao ler este seu post sobre os Anais Municipais de Ponte de Lima, lembrei-me de lhe perguntar se a edição dos Anais que possui são mais recentes que os meus.
Os meus são a 2ª edição revista, contudo julgo existir uma edição mais recente que a que referi. Uma edição especial lançada recentemente (julgo que 2004), destinada principalmente a bibliófilos (salvo o erro).
Tem conhecimento?
Luís Carvalho Nunes
Caro Luís Carvalho Nunes,
os Anais Municipais de Ponte de Lima tiveram, já, 3 edições.
A 1.ª, 1938, e a 2.ª, 1977, da responsabilidade da Câmara Municipal de Ponte de Lima, e a 3.ª, de 2003, editada pelo Rotary Clube de Ponte de Lima (da qual, para além de uma edição especial para bibliófilos, se publicaram 1.500 exemplares).
José Sousa Vieira
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